Depois do fracasso estrondoso em que se saldou o programa urbanístico da Porto 2001, a semântica
da palavra “requalificação”, papagueada a quatro ventos por tudo e por nada,
perdeu o seu verdadeiro significado. Foi, por isso, com grande apreensão que a
Campo Aberto ouviu e leu as declarações do Presidente da Câmara relativamente à
“requalificação” da Rotunda da Boavista.
De uma forma modesta mas muito frontal, a Campo Aberto opõe-se ao atravessamento da Rotunda pelo Metro.
Este Jardim histórico da cidade, que remonta a 1868, apresenta um valor
incalculável para os portuenses e merece indubitavelmente ser salvaguardado de
uma intervenção que se poderia transformar num novo “Jardim do Marquês”. Tal
repetição, abatendo ou irremediavelmente condenando árvores adultas de uma
incrível beleza – algumas com mais de um século –, constituiria um crime
inconcebível nos dias de hoje, agravado pela situação de quase ataque
sistemático de que os parcos jardins da cidade têm sido alvo.
Como bem demonstrou pela negativa o caso da Cordoaria, os jardins históricos do Porto devem ser objecto
de cuidadosas reconstituições e recuperações com base em fontes documentais –
não de intervenções casuísticas motivadas por utilizações que constituem
flagrantes desvios ao seu valor primacial de espaços onde deve imperar a
árvore, o sossego, a beleza e a fidelidade a um passado rico.
Cremos que esta situação se deve ao urbanismo caótico que tem caracterizado o desenvolvimento do Porto
na última década, que não soube antecipar devidamente a necessidade de
infra-estruturas fundamentais como o metro ligeiro, reservando para eles o
espaço necessário. Os jardins surgem nos dias de hoje como presas fáceis, os
locais desocupados que restam e que os burocratas pensam estar disponíveis para
neles instalar estruturas pesadas.
Seguramente que a Rotunda da Boavista pode e deve ser melhorada. Não compreendemos, por exemplo, por que
não foram ainda tomadas medidas para facilitar o acesso dos peões ao jardim.
Mas isso é muito diferente de uma qualquer decisão apressada, mal pensada,
imposta por discutíveis imperativos técnicos do metro que, apesar de todas as
suas virtudes, não pode continuar a desfigurar impunemente jardins e espaços verdes,
inclusive aqueles que constituem um legado da história do Porto. O novo, sim,
mas sem destruição da memória da cidade. Preocupa-nos, pois, que argumentos
como “a Rotunda é pouco frequentada” ou que “precisa de ser requalificada”,
aduzidos pelo Presidente da autarquia, possam ser utilizados para justificar
uma intervenção potencialmente desastrosa.
Acresce que, segundo o Decreto-Lei n.º 69/2000, a construção de linhas de metropolitano com extensão
superior a 5 km é necessariamente precedida de uma Avaliação de Impacto
Ambiental [1] (AIA), o que é manifestamente o caso já que a linha da Boavista se estenderia
por 7 km. Dado que esta linha não foi incluída na AIA inicial do Metro do
Porto, o projecto terá obrigatoriamente de cumprir este requisito legal, assegurando-se,
pelo menos por esta via, a participação pública e a proposta e avaliação de
alternativas (entre elas, é necessário demonstrar que um eléctrico rápido, ao
qual estaria associado um impacto muito menor, não cumpre as mesmas funções que
o metro).
O actual executivo foi eleito com base numa perspectiva urbanística que excluía novos episódios como a
destruição de jardins públicos ou a justificação de torres no Parque da Cidade
sob pretexto de serem de autoria de arquitectos famosos ou por eles apoiadas.
Custa a crer que o presidente Rui Rio siga agora uma filosofia e uma
metodologia a que teve a coragem de se opor no caso do Parque da Cidade.
Que a Câmara do Porto tenha, agora, a coragem de promover um debate público digno desse nome sobre
todos os aspectos, alguns dos quais até agora nada transparentes, relacionados
com o impacto na cidade das obras do metro.
Apelamos à Câmara e em especial a Rui Rio que repensem, em conjunto com os cidadãos e em nome da
cidade do Porto, o atravessamento da Rotunda da Boavista pelo metro.
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