Comunicado
à imprensa
14 de Janeiro
de 2004
A “requalificação”
do Jardim da Rotunda da Boavista
O Jardim da Rotunda da Boavista
tem sido alvo, ao longo dos últimos meses, de várias e desencontradas notícias
sobre o seu futuro. Em Maio de 2003 foi anunciado pelo Presidente da Câmara do
Porto que a futura linha de Metro da Boavista iria atravessar o Jardim,
aproveitando-se a oportunidade para fazer a sua requalificação, apresentada
como urgente face à degradação que alegadamente terá atingido. Foram então convidados
os arquitectos Siza Viera e Souto Moura para elaborar o respectivo projecto.
Talvez em resultado dos protestos então ouvidos, que realçavam a estranheza de
a requalificação de um jardim depender do seu atravessamento por carris, foi-se
sabendo, por notícias avulsas, que afinal o Metro não o iria invadir. Essa boa
notícia é confirmada pelo infograma do projecto que o Jornal de Notícias
publicou a 10 de Janeiro de 2004; mas o alívio foi efémero, pois o projecto
prefigura agressões de outra natureza.
A intenção de levar mais pessoas
a frequentar o Jardim da Rotunda só pode merecer o nosso apoio. A construção de
uma pequena casa de chá e de um quiosque, desde que na actual zona alcatroada, parece
compatível com aquele objectivo sem acarretar qualquer prejuízo para a zona
verde. Mas, segundo o esquema publicado pelo JN, não só a ocupação está
prevista para os canteiros – todos eles ladeados de árvores centenárias e
preenchidos com vegetação arbórea e arbustiva abundante – como ainda compreende
“equipamentos” intrusivos: um restaurante e uma “plataforma” para espectáculos
ao ar livre. Ao todo, quatro dos oito canteiros seriam afectados, alguns de
forma bastante considerável. Seria um perfeito absurdo, algo dificilmente
inteligível, que para incentivar a utilização do jardim fosse necessário delapidar
irremediavelmente o seu valor enquanto espaço verde histórico e elevado simbolismo
para todos os portuenses.
Há ainda questões práticas
associadas ao projecto que, embora pareçam de menor importância, convém
esclarecer: é razoável prever espectáculos ao ar livre numa zona de trânsito
tão intenso? Ou o trânsito será permanentemente desviado desse sector da
Rotunda? Se for esse o caso, porquê a ligação pedonal por túnel entre as duas
estações de Metro?
Em matéria de espaços verdes, o
Porto vem seguindo um verdadeiro retrocesso civilizacional: os nossos antecessores
construíram, entre os séculos XIX e XX, os jardins que agora, sob a máscara da
requalificação ou a pretexto de grandes obras públicas, os nossos
contemporâneos se comprazem em destruir ou adulterar, assim obliterando a
memória da cidade. A lista já vai longa: Cordoaria, Carregal, Marquês, Praça do
Infante, Campo 24 de Agosto… Quererá juntar-se-lhe, com uma assinatura de
prestígio, a amputação e descaracterização do Jardim da Rotunda? Sugerimos, em
alternativa, que os nossos arquitectos dêem largas à sua imaginação em novos
espaços verdes, criados de raiz. Mas, por favor, deixem os jardins históricos
em paz!
O PDM agora em discussão pública
consagra alguns princípios de que este projecto para o Jardim da Rotunda faz
tábua rasa. O primeiro diz respeito à edificação em áreas verdes de utilização
pública: diz o art. 56º que nestes espaços se admite a instalação de
infra-estruturas de «lazer e recreio, sem prejuízo do seu valor patrimonial e da
sua identidade como espaço verde urbano», desde que a área de impermeabilização
não ultrapasse 5% da área verde. A julgar pelo infograma no JN, todos os
equipamentos ocuparão áreas ajardinadas da Rotunda, e a impermeabilização
resultante do projecto não será inferior a 20%. O segundo princípio,
corporizado no art. 16º, refere-se à salvaguarda de Jardins com Valor
Histórico, no espírito da Carta de Florença, que Portugal subscreveu. De acordo
com o parágrafo 1 do citado artigo, esta designação inclui aqueles jardins que
«sejam relevantes para a história da arte dos jardins do concelho do Porto e
promotores da preservação da identidade cultural da Cidade». O parágrafo 2
decreta que as intervenções nesses jardins devem respeitar, entre outras, as
seguintes regras:
a) terem em
«consideração as características da sua concepção inicial e das resultantes da
sua evolução histórica»;
d)
fundamentarem-se em «estudo minucioso da génese e evolução do jardim, susceptível
de assegurar o carácter científico da intervenção (…)».
Cabe perguntar que estudos foram
feitos para preservar o carácter histórico do Jardim, e não adulterar a sua
identidade arquitectónica e composição vegetal. Que arquitectos paisagistas
colaboraram neste projecto? Que documentos respeitantes à concepção e história
do Jardim foram compulsados? Será que a pressa em implantar este projecto (até
Maio de 2004, segundo o JN) se destina a evitar os obstáculos que o PDM, quando
aprovado, inevitavelmente lhe colocaria? Mau princípio, este, de a própria Câmara
que elabora o novo PDM vir torpedear as suas normas com o subterfúgio de elas ainda
não estarem em vigor.
A Campo Aberto reafirma a
necessidade de uma ampla divulgação do projecto para o Jardim da Rotunda e
exige do poder camarário uma discussão pública séria antes de se iniciar
qualquer obra. O espaço público da Cidade não pode continuar a ser
arbitrariamente transformado à revelia dos seus cidadãos, mesmo que se queira
legitimar tais intervenções com o prestígio dos seus autores.
Para
mais informações contactar:
Paulo Araújo – 93 363 10 09
Fátima Carvalho – 93 868 32 90
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