25 de Novembro
de 2004
Numa época em que o trânsito automóvel citadino atinge níveis
insuportáveis, a construção de uma rede de metropolitano no Porto pode, no futuro,
contribuir fortemente para atenuar o excesso de veículos em circulação. Por
isso a valia ambiental do projecto é, à partida, indiscutível – apesar de
outras alternativas para uma mobilidade mais sustentável terem sido possíveis.
O mérito da ideia não nos faz, contudo, esquecer as imperfeições da sua
concretização: um atestado de virtude intrínseca não serve de indulgência
vitalícia para pecados graves que traduzem uma preocupante inconsciência
ambiental.
O curriculum invejável da Empresa Metro do Porto nesta matéria
levou a Campo Aberto a atribuir‑lhe um certificado ignominioso. Outras
entidades poderiam ser galardoadas, mas cremos que os feitos da Metro foram
tantos, de tal ordem e num espaço de tempo tão curto que a distinção lhe era,
praticamente, obrigatória. Apetrechada com financiamento em abundância, a
empresa tem sistematicamente canalizado essa capacidade não em padrões de
comportamento ambiental mais exigentes, mas sim, amiúde, na destruição do
ambiente propriamente dita.
Evidentemente que um projecto como o metro, apesar de representar uma
melhoria significativa no sistema de transportes, terá sempre impactes ambientais
negativos. Pode também constituir uma oportunidade para se valorizar o espaço
público e corrigirem erros do passado. Mas infelizmente não é esta a regra. Em
muitos casos, mesmo quando havia alternativas, o Metro tem contribuído para
aprofundar chagas já bem evidentes nas nossas cidades, arrasando com árvores e
jardins que poderiam ser poupados e melhorados. Ao invés de se canalizarem os
recursos existentes para valorizar aquilo que existe e tem qualidade, promovem-se
operações urbanísticas destituídas de qualquer interesse que, indubitavelmente,
empobrecem a nossa já sacrificada paisagem urbana. E o metro nada ganha com
esta imagem marcadamente negativa que a ele se associa.
Talvez, no futuro, a Campo Aberto possa atribuir à Metro um outro
certificado mais dignificante. Por enquanto, salvo melhor opinião, o “mérito
arboricida” é o que nos parece mais apropriado. A associação tem ainda o prazer
de oferecer um exemplar do livro que recentemente editou, “À sombra das árvores
com história”, da autoria de Paulo Araújo, Maria Pires de Carvalho e Manuela
Ramos, na esperança de que possa servir de inspiração para uma maior
preocupação com o património arbóreo. Enumeramos de seguida alguns dos casos
que fundamentam esta nossa apreciação.
1. A Metro e os automóveis
Quase todos os projectos da Metro têm sido norteados pela preocupação
de não retirar, ainda que provisoriamente, espaço de circulação aos automóveis:
foi para que os automóveis continuassem a circular em volta da Praça Marquês de
Pombal que se sacrificou um dos mais aprazíveis e frequentados jardins do
Porto; e foi para não perturbar o trânsito na Av. dos Aliados que a Metro derrubou
umas quantas árvores. Em tudo isto, a Empresa do Metro revela não ter
consciência de que uma sua missão prioritária é a de substituir o automóvel
particular na cidade. Será que essa tão estranha actuação da empresa – que pode
até comprometer a sua viabilidade financeira – traduz afinal a crença de que o
Metro é só para pobres e remediados, pois os outros nunca irão abdicar do uso
do automóvel?
2. A Metro e as árvores
A Empresa do Metro não tem sido amiga das árvores: seja para não
prejudicar o trânsito automóvel, seja porque os projectos não têm em conta a
sua prévia existência, seja por incúria ou descaso, seja por razões
economicistas – são já inúmeras as árvores abatidas pela empresa.
Os casos dos jardins do Marquês e do Campo 24 de Agosto são os mais
emblemáticos: os dois jardins foram impiedosamente delapidados com o abate,
transplante ou poda violenta de árvores de grande porte. Tanto um caso como
outro poderiam ter sido evitados, pois havia alternativas óbvias e menos
gravosas para a construção das estações. O valor patrimonial e ambiental dos
jardins e das suas árvores nada pesou, face a considerações utilitárias
imediatistas, na balança de quem decidiu.
Na Av. dos Aliados o abate tem sido faseado: neste momento, as
árvores abatidas (áceres) ultrapassarão as duas dezenas, e numerosas outras
foram mutiladas. Na construção da estação da Trindade, meia dúzia de plátanos
na Rua de Camões foram abatidos ou transplantados. Nestes dois casos, custa a
crer que as árvores não pudessem ter sido poupadas: seriam mesmo impossíveis as
obras se os buracos tivessem menos um metro de largura?
Na construção da nova estação intermodal de Campanhã abateram-se
numerosos plátanos de grande porte. Quando as obras estavam praticamente
terminadas, o último desses plátanos, por não interferir com o novo edifício,
permanecia de pé. Mas de nada lhe valeu ser a única sombra fresca num lugar
inóspito, pois acabou, num gesto de crueldade gratuita, por ser também
sacrificado.
No troço da Rua Dr. António Bernardino de Almeida junto à Escola
Superior de Biotecnologia, a Metro cortou recentemente quase todo um
alinhamento de áceres.
A Campo Aberto exige que, no caso do Jardim do Marquês e da Av. dos
Aliados, se reconstitua a sua traça anterior às obras. Alguns danos são irreversíveis,
mas outros podem ainda ser remediados através de uma intervenção cuidadosa que
respeite a sua história, tal como aconteceu com a Praça Carlos Aberto. Não
queremos mais uma “requalificação” cinzenta, destituída de beleza e
diversidade, e imposta à cidade de forma autocrática.
Por cada árvore cortada ou m2 de espaço público destruído,
a Metro do Porto deve plantar ou disponibilizar, em área a designar pela
autarquia, o triplo.
3. A Metro e as ribeiras
A insensibilidade ambiental da Metro do Porto não se restringe apenas
às árvores. A empresa tem feito um esforço por delapidar, também, os últimos
resquícios de água livre existentes na cidade. As cheias da Ribeira da Granja
são bem conhecidas pelos moradores de Ramalde. Ainda assim, talvez a única zona
húmida da cidade e que representava um papel fundamental no seu controlo foi
arrasada para dar lugar a uma estrada sem importância. A área, povoada de
salgueiros, caniços e avifauna abundante, situava-se junto ao Bairro de Ramalde
do Meio, na rua D. João Coutinho.
Alertada pela Campo Aberto, várias entidades oficiais solicitaram
esclarecimentos à empresa. Em resposta, a Metro sugere à Direcção Regional do
Ambiente que não tem jurisdição sobre a área, ignorando porém que a tutela
pertencia ao Instituto da Água. Detectada a falha, eis que a empresa resolve,
como compensação, financiar um novo estudo sobre a Ribeira da Granja. O
correcto seria renaturalizar a área tal como ela se encontrava anteriormente,
mas infelizmente parece não existir empenho suficiente para isso.
Na zona da Asprela, um plano urbanístico que nunca foi discutido
publicamente está também a arrasar com parte substancial da Ribeira com o mesmo
nome. À falta de melhor solução, eis que o metro se encarrega de canalizar o
curso de água para, curiosamente, passar por cima dele, abatendo
simultaneamente todas as árvores à sua passagem e destruindo uma bela zona
verde que imensa falta fazia ao acanhado pólo universitário.
A Campo Aberto pensa que a Metro do Porto deveria ser obrigada a
custear o desentubamento de ribeiras e a recuperação das suas margens numa
extensão equivalente ao dobro daquela que foi entubada.
4. Conclusão
Seria de toda a conveniência que a Empresa do Metro, reconhecendo o
carácter pouco exemplar da sua actuação, alterasse no futuro a sua postura de
modo a minimizar o impacto negativo das suas obras. Uma tal sanha arboricida e
uma tão completa displicência ambiental combinam muito mal com este meio de transporte,
peça importante no desenvolvimento sustentável que procuramos neste início de
milénio.
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