por Teresa Andresen, Arquitecta Paisagista
Professora Associada Departamente de Botânica, Faculdade de Ciências da U. do Porto
(in Público-Local – Porto 22 de Março)
«14 de Marco, a televisão apresentou uma notícia sobre uma sessão na Câmara do Porto relativa à apresentação do projecto da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade da autoria dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura, que foram entrevistados. As palavras de Eduardo Souto Moura produziram em mim um efeito duplo de mágoa e de indignação. Não gravei esses minutos de televisão e, por isso, não sou capaz de reproduzir o que ali foi dito textualmente. Mas transmitiu a ideia que esperava que agora as pessoas não começassem a contestar a obra como sempre acontecia quando no Porto se tocava numa pedra. E até acrescentou que estaria surpreendido pelo facto da obra da Rotunda da Boavista, que teria ficado tão bem, não tivesse recebido aplausos.
O Público de 15 de Março dá conta da posição do presidente da câmara: “Do que ninguém parece duvidar é da contestação que estas alterações irão desencadear na cidade. No Porto, é impossivel começar o que quer que seja sem haver contestação”, antecipou Rui Rio, sublinhando que o desenho final decorre de condicionamentos vários mais do que de meros caprichos e insistindo na ideia de que “a intervenção terá a mão de um dos dez melhores arquitectos do mundo, ou seja, Siza Vieira”.
Calada tenho estado e sei que muitos outros [tambem o estão]. Mas não posso calar mais. A mágoa é grande, assim como a estupefacção pelo continuado desconhecimento ou menosprezo do “ser” das coisas públicas e isto impele-me a me a não ficar calada. (…)
(in Público-Local – Porto 22 de Março)
«14 de Marco, a televisão apresentou uma notícia sobre uma sessão na Câmara do Porto relativa à apresentação do projecto da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade da autoria dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura, que foram entrevistados. As palavras de Eduardo Souto Moura produziram em mim um efeito duplo de mágoa e de indignação. Não gravei esses minutos de televisão e, por isso, não sou capaz de reproduzir o que ali foi dito textualmente. Mas transmitiu a ideia que esperava que agora as pessoas não começassem a contestar a obra como sempre acontecia quando no Porto se tocava numa pedra. E até acrescentou que estaria surpreendido pelo facto da obra da Rotunda da Boavista, que teria ficado tão bem, não tivesse recebido aplausos.
O Público de 15 de Março dá conta da posição do presidente da câmara: “Do que ninguém parece duvidar é da contestação que estas alterações irão desencadear na cidade. No Porto, é impossivel começar o que quer que seja sem haver contestação”, antecipou Rui Rio, sublinhando que o desenho final decorre de condicionamentos vários mais do que de meros caprichos e insistindo na ideia de que “a intervenção terá a mão de um dos dez melhores arquitectos do mundo, ou seja, Siza Vieira”.
Calada tenho estado e sei que muitos outros [tambem o estão]. Mas não posso calar mais. A mágoa é grande, assim como a estupefacção pelo continuado desconhecimento ou menosprezo do “ser” das coisas públicas e isto impele-me a me a não ficar calada. (…)
Estamos a falar de espaço público. Espaço publico é do público, da colectividade, dos munícipes que pagam os seus impostos e que mais frequentemente o utilizam e dele legitimamente se apropriam e o abrem aos visitantes diários ou de passagem. Eles adquiriram naturalmente um direito e um sentimento de posse sobre este espaço, assim como contribuem para a construção do imaginário que se vai tecendo sobre essa apropriação colectiva e que lhes confere o direito de ter uma palavra a dizer sobre os seus desígnios. Ou seja, estamos a falar de cidadania, de cidadãos que não ficam calados e que não gostam de ser admoestados a não falar.
A evolução do espaço público não pode prescindir de intervenções validadas por consurso público, com apresentação de ideias alternativas, acompanhada de pareceres institucionais das tutelas e sobretudo participadas pelo público que precisa de atempadamente, ser informado de forma inteligível e tranquila. A participação é um valor democrático.
Aliás, ao longo de anos tem sido reclamada pela população neste seu local por excelência de afirmação e exercício de princípios democráticos. A Praça e a Avenida (Ironia! chamadas da liberdade e dos aliados!… Humberto Delgado!!! E reparem a simbologia: as estátuas de D. Pedro IV e Garrett nos extremos!) são, como Nuno Corvacho, no Público, dizia: ” …o terreiro dos Aliados, chamemos-lhe assim, é o espaço por excelência onde a cidade manifesta a sua alma colectiva, no que quer que isto signifique”.
A solução apresentada pelos arquitectos é uma solução possível. Não conheço o programa encomendado a que estiveram sujeitos, enunciando os objectivos pretendidos Apenas conheço os elementos que a imprensa reproduziu.
Aparenta ser uma solução que privilegia o espaço avenida em vez do espaço praça.
Que privilegia a simplificação da intervenção “verde” recorrendo prioritamente a alamedas (já agora, por favor avaliem a opção das árvores, pois, segundo o jornal, aponta-se para “árvores da mesma família das que lá existem” e isso deixa-me perplexa, pois nenhuma das lá existentes tem revelado adaptar-se bem às condições estéticas e ambientais do lugar? Devia-se trocar ideias e soluções sobre isto!).
Que a privilegias as pessoas nos passeios laterais a alargar, em detrimento da faixa central!
Que provavelmente, antecipa um programa de reabilitação funcional dos edifícios envolventes de mais forte relação com os passeios e que ainda desconhecemos.
Que opta pela neutralização da cor.
Que não atende ao caracter neoclássico/beauxartiano/ecléctico dos edificios circundantes, assim como do espaço avenida e do espaço praça que ali coabitam construídos ao longo do tempo e nunca de uma vez só.
Que opta par uma solução moderno-tardia de simplificação do tratamento do espaço exterior num local onde a remodelação das fachadas dos edificios ao encontro da nova solução agora proposta é impensável (julgo eu!).
O Porto 2001 trouxe investimentos assinaláveis a cidade no respeitante ao espaço publico. É urgente fazer uma avaliação rigorosa e participada desta experiência. Eu diria que houve muita intervenção cujo resultado, em termos gerais, é asseado e asséptico ou higienizado ou esterilizado, ou como lhe queiram chamar, conduzindo a espaços com maior transparêcia e aparente largueza, por vezes pulverizados de mobiliário, mas ambiental, patrimonial e vivenciahnente muito mais pobres.
A qualidade dos materiais – vivos e inertes- introduzidos tem deixado muito a desejar e as soluções projectuais, na maioria dos casos, não revelam qualquer preocupação ou sensibilidade com a sustentabilidade dos programas de conservação e manutenção do espaço público, havendo já sinais de manifesta degradação. A marginal ribeirinha sera uma excepção, embora continue a achar que obrigou a ceder muito espaço público de usa pouco flexível par causa da manutenção do eléctrico. Mas veja-se a Cordoaria, Poveiros, Montevideu, Batalha, Leões, Infante, etc. A Avenida e a Praça estão agora em marcha.
A opção é criar o vazio, como noticia o Público, citando Souto Moura. “O vazio que pode ficar ocupado”. E o que estará para vir? A Arca de Água resistirá ao vazio? E São Lázaro? E o Passeio Alegre? Também seremos admoestados a calar?!
No domínio de novos espaços públicos, ditos verdes, se exceptuarmos a Parque da Cidade, Sobreiras, Pasteleira (recuso-me a incluir a alameda de Cartes, a negação do desenho urbano e da compreensão da vivência do espaço público!) pouco mais se terá feito nos tempos recentes. Privilegiou-se “redesenhar” espaços estabilizados na malha urbana com carga patrimonial -cultural/natural- apropriados pelo imaginário colectivo, ignorando que a defesa do património diz respeito a todos.
Será de ficarmos calados? Mesmo quando, como no caso da Praça e da Avenida , a Câmara do Porto usa a autoridade de dois consagrados nomes da arquitectura para manter-nos clados?
Ora isto não pode estar bem! Eis a minha mágoa e a minha indignação!»
A evolução do espaço público não pode prescindir de intervenções validadas por consurso público, com apresentação de ideias alternativas, acompanhada de pareceres institucionais das tutelas e sobretudo participadas pelo público que precisa de atempadamente, ser informado de forma inteligível e tranquila. A participação é um valor democrático.
Aliás, ao longo de anos tem sido reclamada pela população neste seu local por excelência de afirmação e exercício de princípios democráticos. A Praça e a Avenida (Ironia! chamadas da liberdade e dos aliados!… Humberto Delgado!!! E reparem a simbologia: as estátuas de D. Pedro IV e Garrett nos extremos!) são, como Nuno Corvacho, no Público, dizia: ” …o terreiro dos Aliados, chamemos-lhe assim, é o espaço por excelência onde a cidade manifesta a sua alma colectiva, no que quer que isto signifique”.
A solução apresentada pelos arquitectos é uma solução possível. Não conheço o programa encomendado a que estiveram sujeitos, enunciando os objectivos pretendidos Apenas conheço os elementos que a imprensa reproduziu.
Aparenta ser uma solução que privilegia o espaço avenida em vez do espaço praça.
Que privilegia a simplificação da intervenção “verde” recorrendo prioritamente a alamedas (já agora, por favor avaliem a opção das árvores, pois, segundo o jornal, aponta-se para “árvores da mesma família das que lá existem” e isso deixa-me perplexa, pois nenhuma das lá existentes tem revelado adaptar-se bem às condições estéticas e ambientais do lugar? Devia-se trocar ideias e soluções sobre isto!).
Que a privilegias as pessoas nos passeios laterais a alargar, em detrimento da faixa central!
Que provavelmente, antecipa um programa de reabilitação funcional dos edifícios envolventes de mais forte relação com os passeios e que ainda desconhecemos.
Que opta pela neutralização da cor.
Que não atende ao caracter neoclássico/beauxartiano/ecléctico dos edificios circundantes, assim como do espaço avenida e do espaço praça que ali coabitam construídos ao longo do tempo e nunca de uma vez só.
Que opta par uma solução moderno-tardia de simplificação do tratamento do espaço exterior num local onde a remodelação das fachadas dos edificios ao encontro da nova solução agora proposta é impensável (julgo eu!).
O Porto 2001 trouxe investimentos assinaláveis a cidade no respeitante ao espaço publico. É urgente fazer uma avaliação rigorosa e participada desta experiência. Eu diria que houve muita intervenção cujo resultado, em termos gerais, é asseado e asséptico ou higienizado ou esterilizado, ou como lhe queiram chamar, conduzindo a espaços com maior transparêcia e aparente largueza, por vezes pulverizados de mobiliário, mas ambiental, patrimonial e vivenciahnente muito mais pobres.
A qualidade dos materiais – vivos e inertes- introduzidos tem deixado muito a desejar e as soluções projectuais, na maioria dos casos, não revelam qualquer preocupação ou sensibilidade com a sustentabilidade dos programas de conservação e manutenção do espaço público, havendo já sinais de manifesta degradação. A marginal ribeirinha sera uma excepção, embora continue a achar que obrigou a ceder muito espaço público de usa pouco flexível par causa da manutenção do eléctrico. Mas veja-se a Cordoaria, Poveiros, Montevideu, Batalha, Leões, Infante, etc. A Avenida e a Praça estão agora em marcha.
A opção é criar o vazio, como noticia o Público, citando Souto Moura. “O vazio que pode ficar ocupado”. E o que estará para vir? A Arca de Água resistirá ao vazio? E São Lázaro? E o Passeio Alegre? Também seremos admoestados a calar?!
No domínio de novos espaços públicos, ditos verdes, se exceptuarmos a Parque da Cidade, Sobreiras, Pasteleira (recuso-me a incluir a alameda de Cartes, a negação do desenho urbano e da compreensão da vivência do espaço público!) pouco mais se terá feito nos tempos recentes. Privilegiou-se “redesenhar” espaços estabilizados na malha urbana com carga patrimonial -cultural/natural- apropriados pelo imaginário colectivo, ignorando que a defesa do património diz respeito a todos.
Será de ficarmos calados? Mesmo quando, como no caso da Praça e da Avenida , a Câmara do Porto usa a autoridade de dois consagrados nomes da arquitectura para manter-nos clados?
Ora isto não pode estar bem! Eis a minha mágoa e a minha indignação!»
Teresa Andresen
Arquitecta Paisagista, Professora Associada Departamento de Botânica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Arquitecta Paisagista, Professora Associada Departamento de Botânica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
(Este artigo de opinião que- como já foi referido- saíu no Público-Local/Porto no dia 22 de Março, foi nesse mesmo dia reproduzido pela primeira vez, num comentário a “Sizentismo” o implacável texto que Paulo V. Araújo escreveu sobre o projecto de “requalificação” para a Avenida e Praça.)
Ah, minha cara Teresa, como eu me revejo no que escreve.
Para mim, aqui de longe, o que me dói e revolta, é este sentimento de impotência face ao que já fizeram ao Porto com as malfadadas «requalificações» e sem nada aprender… O pior exemplo é sem dúvida a Cordoaria (jardim) e o nosso D. João VI encima de uma paragem de autocarro na rotunda do Castelo do Queijo. O melhor é Carlos Alberto que escapou por um triz.
Bem haja,
Alexandre Borges Gomes
Luanda