As associações cívicas signatárias do presente documento, integrantes da Plataforma Convergir, organizações não governamentais, de carácter ambiental, social, político ou humanitário, ou aparentado, vêm por este meio saudar o novo Presidente da República Portuguesa no início do seu mandato e propor-lhe que tenha em consideração o documento que adiante apresentamos como um contributo de cidadania para o exercício das suas funções.
Simultaneamente, pretendem solicitar-lhe que, sem prejuízo das questões correntes e das prioridades que estabeleça, decida atribuir, se possível desde já e ao longo dos próximos cinco anos, uma importância especial à questão da sustentabilidade do desenvolvimento de Portugal.
As signatárias pedem igualmente ao Presidente da República, como mais alto responsável da hierarquia política portuguesa, que exerça toda a sua influência institucional para que o País venha a adoptar rapidamente estratégias efectivas de Desenvolvimento Sustentável, superando o atraso e a negligência que nesta matéria se têm verificado, quer ao nível do poder central, quer ao nível local.
Nessa perspectiva, julgamos que o Presidente da República não poderá alhear-se do incentivo à implantação das Agendas 21 Locais, por forma a contribuir para que a evolução social e económica se processe tendo em conta a necessidade de preservar para as gerações presentes e futuras os recursos naturais, a qualidade do ambiente, a integridade ou a restauração da beleza paisagística, o ordenamento equilibrado do território, a equidade e a justiça sociais, a equidade e a justiça ambientais e a coesão económica, social e territorial.
As signatárias sugerem ainda que poderá ter um impacto importante na sociedade portuguesa o empenho do Presidente da República na promoção e divulgação das boas práticas em matéria de sustentabilidade que possam já existir no País, inclusive a nível de municípios, intervenção essa de intuitos pedagógicos e de sensibilização dos sectores da administração ou das autarquias que ainda não tenham feito qualquer diligência no sentido de cumprir os compromissos decorrentes da participação portuguesa na Cimeira da Terra de 1992. Pretende-se que sejam dados novos e decisivos passos, quer a nível nacional quer das autarquias, para o cumprimento, por parte do nosso País, dos compromissos então assumidos, não apenas por se tratar de uma obrigação internacional, mas antes de mais no interesse da própria sobrevivência sustentável de Portugal.
As signatárias propõem igualmente ao Presidente da República que, em articulação com o Governo, com as organizações não governamentais e com outros parceiros que considere pertinentes, seja criado um grupo de trabalho ou fórum permanente dedicado a assessorar a Presidência da República no acompanhamento da execução da estratégia de sustentabilidade no País, e em especial no que diz respeito à educação para esse objectivo, grupo esse que mantenha uma ligação estreita com o Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
As signatárias aproveitam esta oportunidade para chamar a atenção para algumas pistas de reflexão relativas à questão da sustentabilidade ambiental e social de Portugal:
- necessidade de incentivar o aumento da eficiência energética, a mobilidade sustentável, uma política de transportes públicos que evite a multiplicação dos transportes privados mais devoradores de energia, e de dar maior relevo às energias renováveis, nomeadamente a solar e a dos oceanos, sem no entanto deixar de ter em conta algumas condicionantes ambientais, paisagísticas e de conservação da natureza que devem igualmente ser consideradas mesmo no caso das energias não-fósseis; necessidade de superar a deficiente orientação que tem tido a política energética, por forma a considerar devidamente as responsabilidades de Portugal no contexto europeu com vista ao cumprimento dos objectivos do Protocolo de Quioto, a que não tem sido dada cabal atenção ou para o que por vezes se propõem «soluções», como o nuclear, que consistem somente em passar de Cila a Caríbdes;
- urgência de uma nova cultura da água, encarando-a não apenas como um recurso de primeira importância cuja qualidade há que preservar mas igualmente como um meio vivo, com destaque para as bacias hidrográficas como unidade de gestão e para a conservação ou restauração dos ecossistemas a elas associados;
- necessidade de recorrer a, e/ou reorganizar, uma diferenciação positiva que procure compensar algumas desvantagens ou especiais dificuldades em que se encontram as populações do interior, por forma a evitar que se agrave o depauperamento e abandono da agricultura e a aceleração do êxodo das regiões rurais, a que o próprio poder central dá por vezes incentivo ao fechar serviços públicos indispensáveis em zonas do interior ou afastadas dos grandes centros;
- necessidade de inverter o desordenamento do território que se tem vindo a verificar nas últimas décadas, bem como de evitar a proliferação do mau urbanismo, a multiplicação de infra-estruturas concebidas com desprezo dos valores naturais, ambientais, patrimoniais, históricos, agrícolas e humanos;
- necessidade, no que se refere à situação da silvicultura, de um decidido incentivo ao plantio de espécies autóctones e à protecção da recuperação espontânea por essas espécies, limitando e seccionando as extensas manchas de espécies altamente inflamáveis, como o pinheiro bravo e sobretudo o eucalipto, sem o que qualquer política de combate aos fogos ditos florestais não passará de ilusão;
- necessidade de favorecer a implantação de um turismo efectivamente sustentável a longo prazo, contrariando as agressões ao litoral, às suas potencialidades produtivas e à conservação dos seus recursos, e preservando ou restaurando a sua qualidade paisagística; em particular, evitar a proliferação de um turismo sem qualidade que deteriora o seu próprio capital de atracção, banalizando as paisagens;
- necessidade de combater a poluição e preservar os recursos e a saúde dos solos, da água, do ar e das pessoas, evitando o desajustamento entre o desenvolvimento industrial como ele tende a verificar-se actualmente e a urgência de um ambiente saudável;
- necessidade de combater a exclusão de importantes sectores da população dos benefícios do desenvolvimento, caracterizada pela manutenção de bolsas significativas de pobreza e até miséria, a par com o enriquecimento extremado de certos sectores, por vezes de origem ilegal, alargando o fosso entre as camadas mais e menos beneficiadas da sociedade;
- necessidade de dotar a actual política de conservação da natureza dos meios humanos e financeiros capazes de colmatar a insuficiência notória que hoje a limita;
- necessidade de atribuir à dimensão do ambiente e da preservação dos recursos naturais, a nível da definição das políticas da administração central, um papel transversal em toda a acção dos diversos ministérios e sectores da administração, superando a actual posição subalterna a que essa dimensão é em geral remetida;
- necessidade de criar condições para uma participação cívica mais ampla na resolução dos problemas nacionais, para o que urge rever e ajustar os modelos de representação política, tornar transparente, operante e simplificada a administração do Estado e solicitar a cooperação dos partidos e outras associações e instituições cívicas no sentido de darem elevada prioridade à defesa dos recursos do país e da sua qualidade ambiental e em geral à resolução dos seus problemas, e subalternizarem as querelas de emblemas e de pessoas;
- necessidade de fixar unidades territoriais administrativas de âmbito regional ou supramunicipal que reflictam o modo como as pessoas vivem no território e facilitem a resposta às necessidades diferenciadas das populações, gerando dinâmicas de participação, redes e parcerias, sectoriais e intersectoriais, tendo em conta os diferentes territórios e as suas especificidades e as estratégias de sustentabilidade mais apropriadas a cada um deles, permitindo assim reforçar as vantagens comparativas do País no contexto europeu;
- necessidade de integrar as políticas económicas num conceito ecológico exigente, na compreensão de que, em última análise, é a economia que depende da ecologia e dos recursos, e não o inverso.
As signatárias solicitam, por fim, ao Presidente da República que aceite receber a breve prazo uma sua delegação com o objectivo de expor mais em pormenor algumas destas preocupações e de sugerir as modalidades concretas para a criação de um canal permanente de comunicação com a Presidência da República.
Porto, 13 de Março de 2006
Seguem-se as assinaturas dos representantes das associações subscritoras:
AMILEÇA – Associação dos Amigos do Rio Leça
APRIL – Associação de Política Regional e de Intervenção Local
ARPPA – Associação Regional de Protecção do Património Cultural e Natural
Associação dos Amigos do Mindelo para a Defesa do Ambiente
Associação dos Amigos do Rio Ovelha
Associação de Defesa da Praia da Madalena
Campo Aberto – associação de defesa do ambiente
FAPAS – Fundo de Protecção dos Animais Selvagens
GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
Liga Portuguesa de Profilaxia Social
NDMALO – Núcleo de Defesa do Meio Ambiente de Lordelo do Ouro
Olho Vivo – Associação para a Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos
Onda Verde – Associação Juvenil de Ambiente e Aventura
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza (Núcleo do Porto)
Senhores Bichinhos – Associação de Protecção dos Animais
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