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Esta é uma verificação, porventura cruel, para um portuense nascido e criado no Monte da Lapa, que, no regresso ao Burgo, encontra o panorama que há longos anos foi sendo construído numa cidade onde as políticas de reabilitação urbana (física, social e económica) foram sendo proteladas. Ou, quando não, desvirtuadas, como também faz notar a continuação do depoimento “Então aquela Praça dos Leões, insípida, impessoal, onde o verde do jardim deu lugar ao cinzento cada vez mais pardo. Os grandes armazéns fechados, o deserto de gente, a austeridade do granito e principalmente o aterrador silêncio, fez-me ter medo da minha cidade. Onde está a alma da Invicta?”
Estas palavras só não batem como punhos na consciência de muitos responsáveis por sucessivas intervenções nos espaços públicos porque continua a haver quem considere que tais espaços são para fazer deles gato-sapato em nome das modernizações e da rejeição do provincianismo.
Quando, há tempos, ouvi dizer que “cada época tinha o direito de acrescentar a sua marca aos espaços públicos portuenses”, comparei logo as praças dos Leões, Parada Leitão, Relação, Poveiros, Batalha, etc. * com as Plazas Mayores de Madrid e Salamanca, a Place des Voges, em Paris, a Grand Place, de Bruxelas e muitas outras – onde podem ser feitas obras de beneficiação, mas ninguém tem a arrogância de a modificar a seu bel-prazer.
Todavia, no grito ou no sentimento deste leitor, o mais doloroso ainda estava para vir, ao dizer amargas palavras “Eram 8.30 horas da manhã… Onde estavam as pessoas, os pregões, as vendedeiras no Anjo, o chiar dos eléctricos,, o bulício da cidade (que já foi do trabalho), os caixeiros a lavar as frontarias com os paus de guardas no passeio? Onde estão os cheiros e os sons do meu Porto? Onde anda a alegria de viver dos portuenses? Como dizia Vasco de Lima Couto (mais um poeta esquecido):
– Que povo é este, que povo?”
Esta ligação ao carácter, não apenas urbano, mas sobretudo humano do Burgo tripeiro, tem o condão de nos alertar para algumas questões insofismáveis. A primeira é que nela perpassa – como em outras – a sensação de perda sem retorno por quem se viu obrigado a abandonar o seu espaço vital. A segunda é que, para quem agora vem à cidade como visitante chegado de um país estrangeiro, a observação dos malabarismos pseudomodernizadores dos espaços públicos representa o desaparecimento de referências estabelecidas com um território de onde foi retirado o simbolismo e baralhadas as marcas de coesão cívica.
A terceira é que, face às intervenções descaracterizadoras do seu chão vital, diante do que vêem e sentem como agressão e insulto, muitos portuenses estão a reagir negativamente a toda e qualquer transformação.
De facto, há que distinguir entre a importância da inovação e as mudanças incompetentes e inconsequentes, que nada têm a ver com o verdadeiro espírito do Porto, que nunca foi indiferente à modernização. Porque uma coisa é o irremediável de uma cidade perdida, outra é o remediável de requalificações recicláveis. Podemos sempre recuperar o que se estragou, o Palácio de Cristal é que nunca mais e, se a ponte Maria Pia cair, também não.
O importante é continuar a acreditar que o Porto é mais e melhor de que uma sucessão de intervenções que nunca conseguirão ser aceites pela opinião pública. A verdade é que não podemos cair na depressão de reduzir os problemas do Porto à intervenção nos pavimentos e passeios de umas quantas ruas, praças e jardins e não estabelecer um projecto global de desenvolvimento cultural, económico e social para o verdadeiro renascimento urbano.»
(Em vez de estar subentendido devia estar antes a negrito… –acho eu)
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