A escola, situada entre as ruas da Constituição e de Latino Coelho, ocupa o interior de um quarteirão e está cercada de prédios por todos os lados. Por isso, além dos moradores do local e dos utentes da escola, poucos terão dado conta do atentado – que, tirando a crónica de Bernardino Guimarães e uma outra de Jorge Vilas também no JN, nem sequer suscitou o interesse da comunicação social.
Mas toda a cidade perdeu, mesmo aqueles que nada viram ou de nada souberam, e mesmo os que, tendo visto, não acharam motivo para se indignar.
Na segunda-feira, 17 de Novembro, a Campo Aberto, depois de ter feito uma visita ao local para avaliar a dimensão do estrago, escreveu à empresa Parque Escolar e à DREN dando conta da sua indignação e pedindo esclarecimentos. Essas cartas serão aqui divulgadas juntamente com as respostas que recebermos.
A foto em cima – copiada da página Live Search Maps – mostra o coberto arbóreo da escola antes da catastrófica intervenção. Assinaladas por nós a vermelho estão as árvores desaparecidas (de acordo com o que pudemos ver no local e com o que outras testemunhas nos contaram), árvores essas que totalizam várias dezenas e representam cerca de dois terços das que existiam.
Transcrevemos de seguida a crónica atrás referida.
Jornal de Notícias
28 de Outubro de 2008
crónica de Bernardino Guimarães
Enquanto escrevo estas linhas, ouço distintamente os sons das moto-serras trabalhando. Quis a sorte ingrata que, a poucos metros de onde moro, se desenrole uma drama de lesa-ambiente. Na Escola Secundária de Aurélia de Sousa, no Porto, foram destruídas todas— ou quase todas, que a devastação ainda decorre a estas horas— as árvores que bordejavam o grande pátio e os muros desse estabelecimento escolar. O cronista pretendeu ter explicações. Um telefonema para o Conselho Executivo da Escola foi infrutífero: que nada podiam fazer, que as obras de «beneficiação» são da responsabilidade da Parque Escolar EPE, uma empresa criada pelo Governo. Da DREN não pude obter resposta.
Moradores da zona, indignados, dão-me conta do que para eles significavam aquelas árvores, presentes ali, segundo eles, há talvez uns 50 anos. Como se fosse necessário dizerem-me; eu que todas as manhãs ouvia o melro entoando as suas canções flauteadas. O calor do Verão encontrava ali uma barreira que tornava mais amena a canícula. Nas noites quentes, um leve perfume invadia as casas. Os miúdos da Escola abrigavam-se do sol à sombra daquelas árvores.
Trata-se de uma atitude verdadeiramente criminosa. Que projecto de obras, que melhorias na Escola, decerto necessárias, podem justificar uma tal insensibilidade e desprezo pelo ambiente, pelos utentes da escola, certamente, mas também pelos moradores da área envolvente? Como é possível que, depois de tanta educação ambiental, prodigalizada nas escolas em primeiro lugar, não se tenha em conta a necessidade de preservar o coberto vegetal, compatibilizando esse cuidado com as obras que seja preciso fazer?
Ocorre-me que, limpas as ramagens e os troncos do que foram árvores frondosas e belas, arrumado o terreno e concluídas as construções que ocasionaram o arboricídio, a Escola há-de prosseguir com a sua missão de ensinar a defesa do ambiente conforme os curricula vigentes. Os professores transmitirão noções de ecologia e alertarão os jovens alunos para os perigos e horrores dos problemas ambientais globais. A desflorestação da Amazónia não há-de faltar como tema palpitante. E chegado o mês de Março, na Escola Aurélia de Sousa alguma chamada de atenção haverá para o Dia Mundial da Árvore e da Floresta. Será sumamente ridículo o que devia ser útil e generoso. A destruição destas árvores, a mineralização brutal do espaço onde decorre a vida escolar de centenas de alunos é uma lição bem mais viva do que todo um compêndio de ecologia!
A verdade é que o que se passa nos estabelecimentos de ensino, nomeadamente escolas secundárias, respeita exclusivamente ao Governo e a uma série de buro-tecnocratas sem rosto, decidindo na sombra de estruturas demasiado opacas. Não deveria a autarquia local ter uma palavra a dizer quando se trata— e é o caso— da alteração súbita do ambiente urbano de uma zona da cidade, que deixa de contar com mais um «pulmão», do dia para a noite, sem explicações nem aviso, e sem escrutínio público de qualquer espécie? O melro não cantará mais, perto do muro da escola. O betão invadirá o espaço livre. A qualidade do ar e o conforto térmico do tecido urbano em volta, irá piorar sem remédio. Crime sem castigo. Desatino justificado com o «pugresso» dominante. Bela lição de respeito pela Natureza! Resta esperar que os alunos da Escola, dentro de alguns anos, possam ter a consciência e inteligência que faltou aos que hoje, são responsáveis pela gestão do espaço onde se preparam para a vida, num mundo cada vez mais pobre e feio.
Nisto, pára a crónica. Mais uma árvore tombou aqui ao lado. Será a última?
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