21 Outubro 2009 | As Artes entre as Letras
Mais de 120 anos de cultura em risco
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Em busca da cultura e do património que se perderá se a Linha do Tua se perder numa barragem, mais de uma centena de pessoas percorreram a pé quase 16 quilómetros. É hora de reflectir no que há ainda a dizer sobre este património natural e humano. «Pare. Escute. Olhe.» é o nome do documentário de Jorge Pelicano que tem precisamente a Linha do Tua como fio condutor de uma chamada de atenção para o que José Manuel Pavão diz “valer a pena parar, explicar e poupar”!
Isabel Fernandes (texto)
«Pare. Escute. Olhe.». Num reflexo de preocupação com a desertificação do Interior do país, Jorge Pelicano propõe que se reflicta no que se quer para Portugal. E como que aceitando o desafio do realizador, mais de cem pessoas caminharam cerca de 16 quilómetros da Linha do Tua (partilhada com a Linha do Douro) – entre Tua e S. Lourenço – para perceber a beleza, a cultura e o património que aqueles vales, planaltos e serras do Nordeste Transmontano encerram. A proposta de percorrer aquele trilho a pé foi feita pela associação Campo Aberto e aceite por vários interessados na descoberta. Alguns dos participantes já tinham posição formada e defendem a preservação, outros foram tentar perceber as razões da defesa e da proposta de encerramento e construção de uma barragem. Eram sensivelmente 9h50 quando os mais de cem caminhantes se juntaram na estação do Tua – segundo a organização, 47 chegaram de autocarro do Porto e 56 vieram de outros pontos do país. O grupo era grande e muito heterogéneo: homens, mulheres, crianças e até um animal de estimação (um belo e jovem labrador). A expectativa era elevada, os ânimos estavam no auge e os participantes dirigiram-se ao quilómetro zero, onde posaram para a foto de grupo. Antes houve tempo para algumas recomendações. Cerca das 10h30 e divididos em quatro grupos, com cinco minutos de intervalo entre as partidas, os participantes iniciaram o percurso sobre as traves da linha ferroviária. Mas o percurso só foi possível a quem resistiu, logo ao quilómetro 1,4, à travessia do Viaduto das Presas. A vista era linda – como dizem e as fotos comprovam –, provou-se porque muitos dizem que é “única”. Mas as olhadelas não eram possíveis a todos. Os suores frios, a inibição de caminhar, todo um conjunto de emoções e sensações que se viveram logo ao primeiro quilómetro. Se para uns foi deslumbrante ver tudo bem do alto, a outros faltou a coragem de olhar e apreciar, e houve mesmo o pânico de iniciar aquela marcha e a necessidade de desistir, foi apenas uma pessoa, por vertigens. O que a Campo Aberto recomendou logo nos conselhos iniciais e no mapa orientador que foi entregue aos caminhantes: “Aconselhamos a quem não se sentir confortável na passagem do viaduto que não prossiga a caminhada. Um bombeiro acompanhará estes participantes até à camioneta que permanecerá aproximadamente uma hora à espera na estação Foz-Tua”. Os conselhos eram vários e pormenorizados por parte dos organizadores. Afinal, uma das pretensões era passar um dia descontraído e sem incidentes… e todos os cuidados foram tomados nesse sentido. Para além de vários elementos da Campo Aberto e de outras associações e movimentos que apoiaram a iniciativa, houve elementos dos Bombeiros de Carrazeda de Ansiães que acompanharam o percurso, não no terreno, mas em vias paralelas para que a ajuda fosse possível quando necessária em dois pontos designados de desistência.
Passado o primeiro obstáculo, eis que surgia o segundo! Cem metros depois do viaduto, o percurso entra no Túnel das Presas (o primeiro de cinco). Às escuras, com poucas e pequenas lanternas lá se foram encontrando as traves para poisar os pés, que ainda não reclamavam descanso, mas já percebiam as dificuldades futuras. Entre conversas e silêncios, chegou um novo ponto de desistência, o Apeadeiro de Talhariz, onde estava uma viatura todo-o-terreno (da responsabilidade dos bombeiros) para transportar os desistentes. Não foi possível ver a viatura, uma vez que esperava a alguma distância, pois o acesso é impossível até esse ponto. Nesta fase não foi acolhido ninguém. Todos estavam em condições de continuar e lá foi o grupo, muito disperso ao longo de todo o caminho, pois os ritmos são diferentes e os níveis de resistência também. Enquanto uns iam acelerando, outros iam fraquejando, mas até ao Apeadeiro de Castanheiro não houve possibilidade de rever as condições e continuar era a solução. Entre os dois apeadeiros, ainda houve obstáculos a enfrentar. Três túneis – de Talhariz (aos 4,4 Km), das Fragas Más I (aos 5,5 Km) e o Túnel das Fragas Más II (5,7 Km) – e um viaduto, das Fragas Más (aos 5,6 Km do percurso). E eis que aos 7,6 quilómetros, lá pelas 12h45, foi altura de o anunciado encontro com os bombeiros para possíveis desistências (Apeadeiro de Castanheiro). E foram três pessoas a aceitar a boleia, uma por cansaço e uma por dificuldades extra: a sola da bota descolou-se. O terceiro desistente foi o marido desta, que não continuou por solidariedade. E este era – fomos bem avisados – o último ponto onde seria possível desistir, uma vez que os acessos a partir daí são inexistentes e o apoio, mesmo em todo-o-terreno, impossível.
Aos 9,2 quilómetros surge o Túnel da Falcoeira e eram escassos os metros a separar-nos do local de pausa para o almoço-piquenique, da responsabilidade de cada um. Era um espaço com alguma sombra, belos sobreiros, um verdadeiro convite ao descanso e a saciar a fome que a natureza e o ar puro aumentam. Libertar as mochilas do peso era também fundamental, pois o aviso, mesmo levado em conta, de evitar levar muito peso nada serve. Depois de quase 10 quilómetros de caminhada, todas as gramas se transformam em quilos e à medida que se continua, chegam a pesar toneladas. Foi aí que os caminheiros satisfizeram as necessidades de alimentar o corpo, já que a alma teve sempre alimento, e de descansar. O tempo previsto para o repasto era de 30 minutos, mas acabaria por variar de pessoa para pessoa… pouco mais de dez minutos para alguns. Era hora de retomar a marcha, porque o corpo amolece e torna-se mais difícil retomar o ritmo. O sol, contrariando as previsões de temporal para esse dia (4 de Outubro), brilhou cedo e aqueceu a caminhada. A sede apertava e os líquidos iam sendo repostos, sem o mínimo de hipótese de os ir libertando ao longo do percurso.
DESLOCAÇÕES DIFÍCEIS
E se uma coisa foi ficando confirmada é a desertificação que se vive naquela zona. As dificuldades de deslocação das populações entre as aldeias, que são escassas, é certo, mas existem, a falta de acessos para carro e com a linha desactivada naquele troço torna as deslocações penosas. E são estas dificuldades que Jorge Pelicano, no filme que apresentou no DOCLisboa, nos dias 18 e 19, retrata, na secção Competição Nacional. A apresentação dizia: “É uma viagem através de um Portugal esquecido, vítima de promessas políticas oportunistas”. A proposta de reflexão do realizador não é romântica, nem poética, “é interventiva” e como que “um ajuste de contas com as promessas que vão sendo feitas sem serem cumpridas”. Quando Jorge Pelicano falou ao jornal As Artes entre As Letras (na segunda-feira que antecedeu à estreia do filme), a expectativa era grande para o que resultasse dos 105 minutos de projecção: “Trabalhei dois anos neste projecto para chamar a atenção das pessoas. É quase como uma arma de arremesso. Pôr as pessoas a reflectir e depois que formulem as suas próprias conclusões”. Terá este objectivo sido alcançado? Ainda não era possível saber à hora de fecho desta edição, mas algumas consciências estão despertas há muito tempo, desde que se ameaça este património classificado pela Unesco, que ainda não conhece os planos para a linha.
José Manuel Pavão, presidente da Assembleia Municipal de Mirandela e membro da Associação dos Amigos do Vale do Rio Tua, é um inconformado com a ameaça que paira sobre o que chama “um vale único”. Ao As Artes entre As Letras declarou: “Há aqui hoje um grupo de pessoas que, vindas do Litoral, quiseram visitar os recantos mais íntimos do país, que querem descobrir o seu próprio país. E vêm ao encontro do que lêem, ouvem e vêem – pouco na televisão – e ficam maravilhados. O que se passa neste rincão transmontano alto-duriense é que temos um vale que é único, que é um símbolo da natureza, com uma linha ferroviária que é uma obra notável de engenharia e que vai ficar submerso por uma questão energética”.
DO TUA A BRAGANÇA
Esta obra de engenharia é assinada por Dinis da Mota, que substituiu o engenheiro que iniciou o projecto da linha em bitola métrica, ou via estreita, que percorre 133,8 quilómetros, do Tua a Bragança. Com os sucessivos encerramentos, actualmente funcionam 16 quilómetros, Cachão-Carvalhais. O último troço a ser encerrado foi entre o Tua e o Cachão, depois do acidente ocorrido em Abrunhosa, a 22 de Agosto de 2008, do qual resultou um morto. A linha não será reactivada enquanto não forem apuradas as causas do acidente. Acidentes que aconteceram, na opinião de José Manuel Pavão, por “falta de apoio, de acompanhamento e de assistência técnica a estas vias ferroviárias”. E relativamente à demorada investigação que decorre, lamenta: “Somos um país que adia tudo: adiamos a justiça, adiamos a assistência médica, não obstante termos coisas notáveis”! E aponta o dedo a “uma atitude estratégica de habilidades reprováveis por parte das entidades do Governo em relação a tudo isto, que pode levar ao encerramento da linha por esgotamento de luta dos cidadãos”. Apesar de tudo, ainda acredita no poder da organização das pessoas. “Tudo isto depende de muita coisa, mas há uma atitude técnica a estas vias ferroviárias”. E relativamente à demorada investigação que decorre, lamenta: “Somos um país que adia tudo: adiamos a justiça, adiamos a assistência médica, não obstante termos coisas notáveis”! E aponta o dedo a “uma atitude estratégica de habilidades reprováveis por parte das entidades do Governo em relação a tudo isto, que pode levar ao encerramento da linha por esgotamento de luta dos cidadãos”. Apesar de tudo, ainda acredita no poder da organização das pessoas. “Tudo isto depende de muita coisa, mas há uma atitude cívica notável, que é esta de divulgar, levar, dar a conhecer e depois se os cidadãos se organizarem…” acredita. “Hoje, os cidadãos têm muita força quando são organizados e conscientes daquilo que defendem”, lembra com esperança.
E aqueles que dedicaram um domingo para ver, ouvir e sentir seguiam caminho rumo a São Lourenço. Mas eram ainda seis quilómetros de viagem – que sendo menos de metade do total, seriam bem mais difíceis de percorrer, pois o cansaço não perdoava – e uma nova ponte (a de Paradela) para atravessar, um novo combate a travar e a ganhar. Afinal quem tinha chegado ali não podia desistir. Tinham sido percorridos 11,3 quilómetros. Aos 13,4 chegava a paragem de Santa Luzia, onde em tempos houve uma ponte a uni-la ao Amieiro e hoje é impossível fazer essa travessia, uma vez que a ponte caiu e nunca foi reconstruída. Ainda é possível ver vestígios da sua existência. As forças faltavam, as traves eram demasiado castigadoras, mas só faltavam 2,2 quilómetros… O grupo cada vez mais disperso, conversando em voz cada vez mais baixa, denunciava o fim das forças e o único tónico era mesmo a água que ainda sobrava, mas que de fresca tinha já muito pouco. Contudo, ainda havia forças para o espanto que causou quando, em sentido contrário, surgiu uma senhora. Não fazia parte do grupo que partira do Tua e que estava a desistir. Passou em passo compassado, mas acelerado… estaria ainda no início da marcha, mas ninguém parou para fazer perguntas, apenas um “Boa tarde!” de parte a parte.
FIM DE LINHA
Lá foi seguindo a caminhada… e eis que se avistam os miniautocarros que haviam de levar o grupo até ao Hotel Rural de Pombal para o lanche típico que antecederia a visita ao castelo de Pombal e que o grupo do Porto já não pôde acompanhar. Viagem que decorreria bem para os que conseguiram um lugar sentado, menos confortável para os que tiveram que fazer a viagem de mais ou menos três quilómetros num percurso de subida íngreme de pé. Mas também para alcançar a boleia que haveria de transportar os caminheiros até às mesas bem recheadas de produtos tradicionais e de sabores locais era preciso subir… Para o que foi necessário recuperar forças – bem perto da Estação de São Lourenço foi feita uma pausa recheada de queixumes e histórias do passado, mas também de comentários sobre o espectáculo natural que tinha sido partilhado – e quase num último fôlego lá foi atingido o objectivo. Havia ainda as termas romanas de São Lourenço para visitar, mas primeiro uma passagem pelo café local que estava aberto. Tomar um café, beber uma água, ir à casa de banho. Depois uns minutos de descanso e chegou a altura de visitar as águas termais, numa aldeia quase abandonada. Sobre o que José Manuel Pavão assinala o estado de decadência em que se encontra “e, no entanto, tem umas águas termais”, lembra. “Eu nem me refiro, como médico, ao potencial terapêutico das águas. Vejamos a obra do homem! Há ali oliveiras plantadas em canteiros, cada um com uma única árvore… Isso não merece respeito?!”, questiona.
Segundo informações recolhidas pela Campo Aberto aquando da preparação da iniciativa, existe interesse na exploração das termas desta aldeia pacata – que naquele domingo que antecedia o feriado de 5 de Outubro viu a sua calma alterada por tantas pessoas, miniautocarros e até um carro de bombeiros –, mas que estão a degradar-se por não ser dada a concessão a nenhuma empresa. O que permitiria explorar todo o potencial turístico que o local tem, até porque o acesso pode ser feito de carro pela estrada que o grupo de visitantes havia de percorrer. As declarações do então deputado e candidato à Assembleia da República por Bragança, Mota Andrade, serão elucidativas do pouco caso que os governantes fazem de toda esta situação e das consequências que ainda possam advir. Quando questionado sobre se o comboio faria parte do programa eleitoral do PS, respondeu de imediato que “não. Nem o PS, nem ninguém”, argumentando com a falta de passageiros. José Manuel Pavão, por seu turno, considera “curioso” falar em números e lamenta o desconhecimento demonstrado: “É curioso assinalar o número de pessoas que se movimentavam na linha e como isso contribuía para a dinâmica turística e para o movimento comercial de Mirandela. As pessoas não sabem”! E lembrou as palavras daquele governante que se candidatava pelo Círculo Eleitoral de Bragança: “Aqui há tempos um deputado do distrito de Bragança teve uma infeliz sentença dizendo que viajavam no comboio quatro pessoas por dia e duas cestas de figos. Perante tanto desconhecimento e tanta má vontade, que não ilustra o papel dos deputados, era interessante e convidativo que se fizesse uma pesquisa real do movimento de passageiros”, desafia. “Eu próprio fiquei surpreendido, pois havia pessoas que procuravam viajar e não tinham bilhetes porque as composições não comportavam mais passageiros”, adianta.
Por outro lado, o filme que tem a Linha do Tua como protagonista não questiona os números, as questões que espera ver levantadas depois de o seu filme ser visto são outras. “O filme coloca-se do lado mais fraco da questão, que são as cerca de 60 pessoas que se supõe que viajavam diariamente no comboio, entre trabalhadores, estudantes e turistas que escolhiam o comboio e a Linha do Tua como meio de transporte. Podem ser poucas pessoas, mas são portugueses como os outros e não têm direitos?! E não estou a falar em termos poéticos”, assegurou. “Estou a falar é de outra questão que se deve levantar: mas porque é que tem poucas pessoas”? Já a propósito do comentário do deputado, Jorge Pelicano “gostava de ter estado ao seu lado para lhe perguntar como é que acha que se desenrascaria caso ficasse sem o seu carro, se fosse o único meio de transporte possível”. “O documentário já estava a ser filmado quando se dá o anúncio da construção da barragem, anúncio que ditaria a morte completa da Linha do Tua”, recorda. E então “o filme é construído do ponto de vista de que as pessoas usam o comboio para as coisas mais simples da vida, do quotidiano, dificuldades que quem vive nas cidades grandes não sente”. O filme/documentário «Pare. Escute. Olhe.» que não contém entrevistas, nem ‘voz-off’, onde a equipa quis interferir o menos possível, “é muito cinematográfico! Acompanha de forma mais intimista a vida e o quotidiano dos habitantes” de Vilarinho das Azenhas, concelho de Vila Flor, distrito de Bragança. “Muitas vezes colocávamos a câmara nos locais e deixávamos as coisas acontecerem, tentámos não interferir muito. Por isso, as ‘personagens’ são as pessoas que serão afectadas pelo fim da Linha do Tua”, explicou. Esta maneira de interagir pretendeu transportar da “forma mais real” para o que chama “o progresso” a realidade daquele Portugal esquecido “e tentar mostrar que é preciso preservar, mas para fixar, através da mudança de gestão da linha, de modo a trazer mais-valias para a região”.
Jorge Pelicano despertou para esta realidade da mesma maneira que aquelas mais de cem pessoas decidiram percorrer quase 16 quilómetros da Linha do Tua a pé, numa tentativa de despertar (outras) consciências e alertar para o futuro que se está a traçar: o encerramento definitivo da linha e a construção da barragem de Foz Tua. Foram notícias que há muitos anos têm vindo a dar conta do encerramento de vias ferroviárias, sem que se pare, escute e olhe o futuro das populações, mas também os patrimónios culturais. “Que herança de património vamos deixar”, questiona José Manuel Pavão. Preferindo “fugir aos aspectos sentimentais e afectivos, porque esse é olhado com ironia”, convida à visita porque “não há capacidade verbal de transmitir o conteúdo desta realidade”. “Mas se as pessoas vierem, acontecer-lhes-á como a estas muitas pessoas que aqui estão: sentiram a natureza e viram com os seus próprios olhos. Ficaram plenas de espectáculo da natureza! E é isso que nós queremos defender!” José Manuel Pavão não é actor, nem personagem do filme de Jorge Pelicano. É um defensor da manutenção da Linha do Tua, da sua reconversão, do seu aproveitamento para o desenvolvimento da região, e apresenta argumentos técnicos: “Há pessoas avalizadas e organismos que dizem que se, porventura, esta linha ferroviária, repito e adjectivo, uma obra excepcional da engenharia portuguesa, fosse recuperada e modernizada podia ligar o Vale do Douro, com todo o seu potencial, à linha que passa por trás de Bragança”. E a par do convite para que a “visitem enquanto têm essa possibilidade”, faz um apelo: “Isto era de pensar. Não falemos em defender, como estas pessoas que aqui se encontram hoje, mas que se reflicta”. Ainda assim, acredita que “o caminho não é o que está a ser seguido em que os governos legislam regras imperativas, em que as poderosas organizações públicas, como a EDP, determinam e se apropriam dos terrenos e cujo horizonte é o lucro e a obtenção de energia”. Mas também aqui José Manuel Pavão apresenta alternativa, citando “técnicos de muito valor que dizem que o quantitativo da energia eléctrica que se vai obter com a projectada barragem podia ser substituído por uma alteração técnica das barragens do Picote e de Miranda – está isso tudo estudado – e com uma pedagogia da poupança. E se isso fosse feito pelos governos de Portugal, naturalmente que o vale continuaria incólume e poderia ser desfrutado pelos portugueses”. Seguindo a lógica que está a ser projectada, reafirma que “vamos estragar um vale, vamos inundá-lo de água, vamos alterar a natureza e vamos empobrecer ainda mais esta região”! E por tudo isto assevera que “valia a pena parar, explicar e poupar”!
CONHECER
Da parte dos organizadores “este passeio pretendeu dar a conhecer o património da região, em especial a Linha do Tua, e todo o seu valor histórico, social, ambiental e cultural”. Tem também um lado solidário: “Ao mesmo tempo pretendemos apoiar os que há muito se debatem pela defesa deste mesmo património, mostrando que este é valorizado não só pelos ‘da terra’, mas por muitas pessoas espalhadas pelo país e além fronteiras”.
Regressando à questão que considera essencial (porque é que viajam poucas pessoas na linha), Jorge Pelicano lembra “o desinvestimento que foi feito ao longo do tempo na ferrovia: horários desajustados e sem ligações directas à Linha do Douro, o que obrigava as pessoas a esperarem uma hora pelo comboio, a par da grande degradação das infra-estruturas, que só assim se explicam os acidentes que têm acontecido”. “Tudo isto afasta os passageiros”, constata. E concorda que “esta degradação deve-se aos responsáveis políticos e às empresas que lucram com estas situações sem pensarem nas populações locais”. Reiterando a grande questão do filme, o realizador que fez, em 2007, ‘Ainda há pastores?’ insiste que é preciso tentar definir o caminho. “Queremos um país todo igual, ou um país diferenciado com características próprias e culturalmente rico? Um país em que se vamos a Lisboa visitamos os Jerónimos, se formos ao Alentejo vemos as searas”… Na região do Tua vêem-se vales, planícies, montanha e tudo o mais que não se consegue descrever. “Ou, pelo contrário, queremos um Portugal todo igual”? E refere que neste caso, com a construção de mais uma barragem, será destruída parte da identidade do Nordeste Transmontano com a agravante “de que mais uma vez não é a favor da região, mas para beneficiar, também mais uma vez, o Litoral”. E lembra que “as indemnizações não fixam população”, por muito que as pessoas afectadas se encantem com o dinheiro que recebam.
Pragmático, o jovem realizador concorda que “a linha como estava não servia ninguém, mas apenas pelo centralismo das nossas políticas”! E se pactua que “o saudosismo não é o melhor caminho”, acredita que “com investimento na linha, o futuro passe pelo turismo ferroviário”. E lembrou “Espanha e outros países, onde se alterou a gestão da linha estreita com vista à promoção turística”. E foi assertivo quando afirmou: “Eles investem no sentido da preservação e desenvolvimento, nós destruímos em nome de um progresso que apenas afastará mais as pessoas do Interior”. E alerta que “não podemos esquecer que a construção da barragem vai submergir um património com mais de 120 anos”. Ilustrando tudo o que defendeu na conversa com o jornal As Artes entre As Letras recordou: “Quando finalizámos o filme, fomos à procura das pessoas que aquando do anúncio do fecho da linha se manifestaram contra, mas já não as encontrámos, porque já não estão lá. Também já tinham sido obrigadas a tomar outros rumos. E percebemos o ritmo acelerado de despovoamento. E as que ficaram, maioritariamente idosos, estavam resignadas com o que está a acontecer, porque já estão habituadas a que as decisões sejam tomadas sem benefícios para eles e sem serem ouvidos os seus argumentos”.
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