O PDM em vigor fez uma opção clara por um Porto mais de acordo com as suas características fisionómicas estabelecidas no século XIX e primeira metade do século XX, contrariando a expansão aleatória e desordenada de soluções ad hoc e a proliferação de edifícios em altura sem rei nem roque, que, por exemplo, fizeram da avenida da Boavista uma coisa que não é nem do passado nem do presente nem do futuro e dificilmente remediável ou “requalificável”. Foi, como alguns de nós defenderam repetidamente (ver “Reflectir o Porto e a Região Metropolitana do Porto”, livro comemorativo do 5.º aniversário da associação Campo Aberto), uma opção não só acertada como urgente.
No entanto, por aprovações algumas delas decorrentes talvez do anterior PDM, mas muitas outras que dificilmente deixarão de o ter sido já ao abrigo do atual, têm vindo a multiplicar-se as “torres deitadas” na cidade, que ocupam maciçamente espaços que antes eram livres de construção, não em terrenos exteriores ao tecido construído, mas dentro de propriedades independentes que tinham o azar, ou a felicidade, de dispor de extensos quintais, por vezes autênticos parques ou miniparques arbóreos, ou em todo o caso logradouros cuja dimensão permitia a “respiração” dos bairros e quarteirões. Veja-se por exemplo o Boavista Palace, nas proximidades do Hospital Militar. Que no espaço antes livre estava agora a ser construído meio escondido um edifício de ocupação maciça do espaço, tínhamos já observado. À face da avenida, no entanto, parecia que a ideia seria preservar o pequeno palacete pintado de rosa que ali existia e que escondia um pouco o que por trás dele ia surgindo. Mas não. Passando há dias no local, via-se que o palacete está agora a ser rodeado à direita, à esquerda e por cima, como que de estranhas próteses, de nova construção em estilo moderno, solução que nalguns casos tem sido adotada com alguma sensatez e moderação mas que neste caso reforça e agrava a compactação do conjunto eliminando o caráter próprio do único elemento válido remanescente. Do outro lado da avenida, mais perto do Hospital Militar, onde houve há uns anos um parque de estacionamento que, suponho, terá sido construído já sobre o cadáver de um dos belos jardins ou miniparques privados que já foram abundantes no Porto, foi construído um hospital perpendicular ao arruamento e estendendo-se longamente para o interior, todo ele também um maciço mineral que suprime quase todo o espaço livre anteriormente existente. Coisas dessas têm-se multiplicado em várias zonas da cidade, umas vezes em logradouros de moradias de dimensão reduzida ou média, outras vezes em espaços mais amplos como o dos exemplos que citei.
Seria então errada a cidade vertical pelintra e a cidade horizontal escondida envergonhadamente em traseiras? Seria então tudo errado? Claro que não. Entre o 8 e o 80 há sempre possibilidades de equilíbrio e de moderação. A questão é querer obter esse equilíbrio e não se deixar comandar pela intensificação construtiva sem freio, seja ela na vertical ou na horizontal.
Pode acontecer que tudo isso seja permitido pela lei em vigor e pelos regulamentos. Se o for, e se essas “soluções” forem legítimas, pode então dizer-se que a lei é iníqua, pois consagra uma outra forma de degradar e destruir a cidade. Diminuída pelas pretensões novo ricas das “torres em altura”, está agora nas mãos do golpe de misericórdia das “torres horizontais”.
José Carlos Marques
O José Carlos Marques tem toda a razão neste seu olhar com inquietação sobre a cidade que está a ser (re)feita. Embora o PDM aprovado em 2005 apontasse (e bem)como prioridade urbanistica a reconstrução do edificado, o que aconteceu foi um brutal surto de construção nova. Em três anos foram concedidos pelo pelouro do Urbanismo da CMPorto 1.800 alvarás a que correspondem 3 milhões de m2 de construção. E no caso concreto apontado pelo JCM há ainda o espantoso licenciamento dum projecto que ocupa parte do passeio público da rua Oliveira Monteiro, numa demonstração de sofreguidão imobiliária. São precisas muitos olhares e muitas vozes atentas como a do JCM.