Associação Campo Aberto – Dez causas para uma década
(artigo publicado no jornal Público de 2-jan-2010)
É uma associação ambiental que se ocupa das questões do Noroeste português. Sabem que a cidadania ambiental ainda é matéria com pouca atenção. Mas não desistem. Na comemoração dos 10 anos relembramos algumas das batalhas mais importantes. Por: Mariana Correia Pinto
Se é nas cidades que existe mais gente e que se consome mais energia, é lá que deve fazer-se o maior esforço de promoção da cidadania em matéria ambiental. Não terá sido apenas esta a ideia inspiradora por detrás do trabalho da Associação Campo Aberto, mas os dez anos de vida comemorados no passado dia 29 de Dezembro devem muito a esta convicção. São ambientalistas, sim, mas gostam de lembrar que contrariam o mito de que os “verdes” são coleccionadores de derrotas. E mais: rejeitam a imagem restrita de protectores dos animais e plantas. São, acima de tudo, pilares da defesa de uma vida humana mais sustentável e com mais qualidade. No Noroeste português e, mais particularmente, na Área Metropolitana do Porto (AMP), travaram – e vão continuar a travar – dezenas de batalhas. Umas perdidas, outras ganhas. E outras eternas.
1. Parque da Cidade
Foi precisamente uma dessas batalhas que inspirou o início do movimento. A “ameaça” ao Parque da Cidade, em 2001, mobilizou centenas de cidadãos: queriam impedir a edificação em três frentes do parque, como estava previsto. Houve barulho, houve manifestos, houve até milhares de assinaturas a pedir um referendo local. Rui Rio estava a poucos meses de ser eleito para a câmara pela primeira vez e juntou-se à causa: prometeu que, se o elegessem presidente, o Parque manter-se-ia o Parque. Ainda hoje há divisões quanto se trata de avaliar o cumprimento desta promessa, mas o certo é que entre os defensores surgiu um grupo de pessoas que acharam que fazia sentido criar uma associação que se ocupasse de questões urbanas práticas. E nasceu a Associação Campo Aberto. Por causa do Parque outras batalhas se travaram: a extenção da linha do metro do Porto – com a ligação entre São Bento e Matosinhos Sul – foi provavelmente a mais mediática. A solução de pôr o metro a cruzar o Parque foi altamente criticada pela Campo Aberto. O projecto deverá ficar alguns anos na gaveta, tendo em conta o tempo de crise, mas, se avançar, esta será possivelmente uma batalha ganha pela associação ambiental. É que a solução escolhida foi a passagem do metro em túnel. ?
2. Avenida dos Aliados
O que não foi, definitivamente, uma batalha ganha foram as obras de requalificação da Avenida dos Aliados. O fim dos jardins e da calçada portuguesa não foi pacífico. A Campo Aberto foi manifestamente contra a obra de Siza Vieira: “Foi uma descaracterização da zona, um apagar da memória”, defende Bernardino Guimarães, fundador da Campo Aberto e actual presidente da assembleia municipal. “Talvez dê jeito para fazer umas festas, não vejo mais vantagens”, argumenta.
3. Árvores
A Campo Aberto já travou – e continua a travar – muitas lutas. No Porto, até Janeiro de 2005, só havia quatro árvores assinaladas como de “interesse público”. “Agora são 238”, nota Bernardino Guimarães. Nesta matéria, há um dedo apontado à intervenção da Parque Escolar: “Um autêntico arboricídio em grande parte dos casos”, dizem, denunciando que muitas árvores são “indevidamente abatidas” na AMP.
4. Jardins do Palácio de Cristal
Se a construção de um centro de congressos nos Jardins do Palácio avançar não será por falta de protesto. Houve mesmo um movimento específico para isto e a Campo Aberto aliou-se. “Não somos contra o centro de congressos”, esclarece Bernardino Guimarães, “somos contra o centro naquele espaço, contra a destruição dos jardins [que a autarquia nega estar a promover].” As zonas verdes são frequentemente alvo de interesse para a construção de infra-estruturas. “É apetecível, porque é de borla para a autarquia, mas há muitos terrenos que não são jardins onde se pode fazê-lo”, diz. ??
5. Despoluição das águas
O processo de “entubar ribeiras” é um dos “crimes ambientais” mais frequentemente cometidos. O processo é simples: “Poluímos os ribeiros, transformamo-los em esgotos e depois, como o cheiro incomoda, tapam-se e constrói-se em cima.” É o que acontece, por exemplo, em Gondomar, no rio Tinto, aponta. Nesta matéria, uma das asneiras históricas é a construção do metro por cima do rio (“Avisámos que ia haver cheias e houve”). Quando não havia saneamento na cidade do Porto (e há sítios onde ainda não há), os esgotos eram direccionados para as ribeiras. A ideia da Campo Aberto é ,”em todos os locais onde seja possível, desentubar as ribeiras e aproveitar para criar zonas verdes em volta”. Algo que acabará por beneficiar o rio Douro.
6. Mercados
É perigoso criar cidades que não são sustentáveis. Por isso, a Campo Aberto bate-se pelos mercados da cidade – Bom Sucesso e Bolhão. “Seria trágico se os mercados de frescos desaparecessem.” Porquê? “A sua existência ainda garante que os produtores locais sobrevivam. Se desaparecerem, perdemos tudo.”
7. Ruído e qualidade do ar
Em palavras cruas, Bernardino Guimarães fala assim do ambiente no Porto: “A qualidade ambiental, de uma forma geral, é fraca.” Apesar da existência de uma carta do ruído no Plano Director Municipal (no qual a Campo Aberto esteve também particularmente envolvida aquando da revisão, em 2005), as pessoas “suportam níveis de ruído elevadíssimos”, aponta. E o pior é que “não se têm mostrado preocupados com isso”. A qualidade do ar é também “abaixo de cão” e há inclusive a preocupação adicional pela “existência de partículas finas inaláveis, muito perigosas para a saúde”.
8. Reabilitação
Não é só por andar particularmente atenta que a Campo Aberto dispara críticas em tantos sentidos. É que há coisas, garantem, que são demasiado gritantes. “Quando o urbanismo é feito a partir da construção de auto-estradas, é lógico que isso não pode dar bons resultados.” E a reabilitação não tem sido estruturada da forma mais eficaz possível: “Temos cidades completamente desequilibradas. Hoje em dia, para estarmos num ambiente florestal, temos que andar mais de 50 quilómetros”, lamenta. O que se constrói são “cidades incaracterísticas, com hortas e pinhais e depois umas casas”. Resultado? “Não é cidade, mas também não é campo. Somos peritos em criar terras de ninguém.” A aposta principal deve ser na reabilitação: “O Porto devia ser transformado num enorme estaleiro de reabilitação de edifícios. Daria muito emprego e, ao mesmo tempo, permitia repovoar a cidade, criar comércio, dar vida, melhorar o turismo.”
9. Alterações climáticas
Já se sabe: as alterações climáticas são, por definição, um assunto que diz respeito às associações ambientais. Para a Campo Aberto, só um “esforço conjunto da Junta Metropolitana do Porto” (que engloba 1,3 milhões de pessoas) pode produzir verdadeiros resultados. E há coisas que são demasiado fáceis de fazer para que continuem a ser ignoradas, defendem: “Basta entrar numa autarquia e ver que a maior parte dos gabinetes não tem lâmpadas economizadoras.” Alem disso, a iluminação pública do Porto, direccionada para o céu e não para o chão, “é um desperdício de energia enorme”, aponta Bernardino Guimarães.
10. Campanha 50 Espaços Verdes
São dez anos e muito mais do que dez momentos marcantes. Mas, se uma iniciativa se pode eleger, talvez fosse a Campanha 50 Espaços Verdes. Foi uma prova de que o cidadão comum também pode envolver-se nas questões ambientais – e que se envolve, caso se sinta motivado para isso. Após o repto da Associação para que as pessoas identificassem espaços que precisassem de intervenção urgente, chegaram dezenas de propostas. Houve 50 escolhidas, que chegaram às autarquias respectivas e que foram alvo de atenção por isso.
A adesão dos jovens “faz-nos ter esperança de que as coisas podem melhorar”
São ambientalistas, são biólogos, são engenheiros do ambiente. Os associados da Campo Aberto – cerca de três centenas – são, maioritariamente, pessoas profissionalmente ligadas ao ambiente. Mas não só. A Associação gosta de salientar que os jovens (da área ambiental ou não) têm aderido à causa. “É isso que nos faz ter esperança de que as coisas podem melhorar”, diz um dos fundadores, Bernardino Guimarães. A grande bandeira é a promoção do interesse pelos problemas urbanísticos numa perspectiva global e de desenvolvimento sustentável, para melhorar a qualidade de vida e do ambiente citadino. Além do envolvimento público nos assuntos, com apresentação de propostas concretas, a Campo Aberto promove debates sobre ética (“e estética, que muitas vezes é a melhor forma de promover o interesse das pessoas”) ambiental, as mudanças climáticas, a energia e os transportes, entre outros temas. Para assinalar os dez anos de vida, a Associação está a preparar uma série de iniciativas para 2011. Está previsto um ciclo de debates e visitas sobre a revisão do Plano Director Municipal (PDM), à qual a Campo Aberto dedicou especial atenção na primeira meia década de vida. Em Abril, deverá ser editado um suplemento do livro Reflectir o Porto e a Região Metropolitana do Porto, no qual se poderão rever as tomadas de posição da associação nos últimos anos. M.C.P.
0 comentários