A nossa Carta à Ministra da Educação sobre o abate de árvores em escolas (ver página 16 do n.º 18 de Ar Livre) obteve finalmente resposta, assinada pela sua Chefe de Gabinete, Helena Caniço. Recebida quando o n.º 18 se encontrava já em execução gráfica, só agora nos é possível publicá-la, como nos tínhamos comprometido a fazer.
Reproduzimos essa resposta na íntegra (com excepção de evidentes gralhas e lapsos, que corrigimos). Adiante, comentamos o seu teor.
Ar Livre
Encarrega-me Sua Excelência a Ministra da Educação de acusar e agradecer o V/ofício de 17 de Junho, referente ao assunto em epígrafe.
No âmbito do Programa de Modernização das Escolas do Ensino Secundário, a Parque Escolar EPE incorpora uma vasta equipa de projectistas de diversas especialidades na qual se incluem os Projectos de Arquitectura Paisagista. É objectivo do programa promover espaços exteriores seguros e acessíveis, atractivos, duradouros e sustentáveis e a consequente melhoria das condições existentes em termos físicos, ambientais, funcionais, sensoriais e plásticos.
Os recintos exteriores das escolas apresentam, na sua generalidade, níveis elevados de desqualificação, decorrentes da ausência frequente dos recursos necessários à sua construção, conservação e manutenção, do envelhecimento natural a que os seus elementos constituintes estão sujeitos e do desgaste provocado pelo uso. A mensagem transmitida pelo espaço é, na sua globalidade, pouco estimulante, incidindo sobretudo a nível dos pavimentos (em regra constituídos exclusivamente por superfícies impermeabilizadas em asfalto que impedem a sua utilização alargada a várias actividades), dos sistemas de drenagem, dos elementos do mobiliário urbano e das espécies vegetais (e.g. muretes, escadas, caldeiras), da precariedade do mobiliário urbano e das espécies vegetais existentes, sejam árvores, arbustos ou maciços de revestimento.
As principais anomalias detectadas referem-se à degradação e abatimentos nos pavimentos, às deficiências dos sistemas de drenagem, à presença de terrenos sobrantes não drenados, valas para canalização mal compactadas, taludes não fixados bem como à existência de espécies arbóreas quer em risco de queda quer evidenciando problemas fitossanitários.
No desenho do espaço exterior dos recintos escolares procura-se a integração do edificado na área circundante de modo a tornar a escola como uma unidade e simultaneamente equilibrar a sua concepção, gestão e utilização com as características locais, condicionantes naturais e culturais existentes e orçamentos disponíveis para a sua construção e manutenção. Tal implica:
1. Incorporar várias actividades no espaço exterior – recreio/convívio, desporto, aprendizagem – consoante as idades, as necessidades, os interesses e as motivações dos seus utilizadores privilegiados (os alunos) e de acordo com o projecto educativo da escola, com as exigências e necessidades curriculares ou outras evoluções que possam ocorrer com o tempo (e.g. campos desportivos e multiusos; zonas de convívio, anfiteatros, hortas pedagógicas, estufas e estufins, sistemas de produção de energias renováveis, abrigos de apoio à manutenção);
2. Aumentar a área verde bruta e a diversificação do coberto vegetal;
3. Garantir soluções de fácil manutenção e conservação, com recurso a materiais vivos e inertes de qualidade, rústicos, e resistentes, baixos consumos de água e mão-de-obra reduzida.
O abate de árvores e arbustos está dependente da opinião fundamentada do arquitecto paisagista responsável pelo projecto de espaços exteriores.
Resumindo, o objectivo será não só aumentar a área verde disponível, mas também a sua qualidade sensorial e plástica, contribuindo para a melhoria da qualidade do recinto escolar na sua globalidade. – Lisboa, 21 de Julho de 2009
O NOSSO COMENTÁRIO
Como o leitor poderá comprovar se comparar com a nossa Carta Aberta à Ministra da Educação (página 16, Ar Livre n.º 18), a resposta da Ministra consiste exclusivamente numa afirmação de princípios orientadores da intervenção paisagística nas escolas intervencionadas pela Parque Escolar EPE, contrastada com o estado anterior de conservação dessas escolas.
Alguns desses princípios merecem aplauso. Mas sabe-se que a prática nem sempre corresponde aos princípios e que de boas intenções está o inferno cheio. O que pusemos e pomos em causa é a prática concreta da Parque Escolar em alguns casos, e não a sua carta de intenções ou a sua retórica. Retórica essa que esconde num manto de fantasia a verdade do abate indiscriminado de árvores. Ora, manter a árvore adulta em contexto escolar é um elemento tão importante para uma escola sustentável como o evitar consumos injustificados de energia e água, preocupações que, ao que sabemos, a PE também não tem evidenciado.
A Ministra não nega nenhuma das críticas que fizemos. Não nega que as obras da PE tenham sido «ocasião para abates indiscriminados e por vezes maciços de árvores nos terrenos de algumas escolas». Na mencionada página, era dado um exemplo evidente, fotograficamente documentado, relativo ao abate de árvores na Escola Secundária Aurélia de Sousa, o qual é certo não constava da nossa carta. Acrescente-se agora que não é, infelizmente, exemplo único. Só no Porto, poderíamos mencionar outros casos de maior ou menor gravidade, como nas Escolas Secundárias Filipa de Vilhena e Carolina Michaëllis.
A referência da Ministra a abates de árvores limita-se a afirmar que a decisão nestes casos depende da opinião fundamentada do arquitecto paisagista responsável pelo projecto de espaços exteriores, como se um argumento de autoridade deste calibre pudesse calar os cidadãos descontentes com os abates que denunciámos. Por isso o consideramos deveras insuficiente para garantir um património que a todos pertence.
Fazemos à Ministra um desafio, a que convidamos nos responda: que, sempre que o abate de árvores adultas ou de maciços de árvores seja considerado necessário numa escola, intervencionada ou não pela PE, a empresa, o Ministério ou a direcção da escola em causa abra previamente um diálogo público e protocolarizado com a população residente no entorno da escola e com as associações de defesa do ambiente ou equiparáveis existentes ou presentes na cidade e na região ou, caso não existam, com associações de âmbito nacional do mesmo tipo. Esse diálogo seria simultaneamente um processo de negociação com vista a evitar ao máximo o abate de árvores adultas. Um relatório escrito desse diálogo, aprovado e assinado pelos vários intervenientes, seria publicamente disponibilizado.
Só assim os cidadãos poderiam desfazer as dúvidas sobre este tipo de abates, e eventualmente isentar de responsabilidades as autoridades que os ordenam.
De novo, a palavra à Ministra!
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