Esta iniciativa pioneira surgiu nos primeiros anos 1970 nos Estados Unidos, numa época de grande efervescência cultural e criatividade, na busca de alternativas às tecnologias poluentes e destruidoras do ambiente.
Seja o que for que hoje pensemos da viabilidade e validade desta experiência para os tempos que correm, creio que ela merece uma reflexão e análise.
Tradução e adaptação: José Carlos Marques
Interessado/a em participar na linha de trabalho Energia & Clima da Campo Aberto? Envie um email para contacto@campoaberto.pt, tendo como assunto: Energia & Clima.
Fontes alternativas de energia
A revista sobre fontes alternativas de energia Alternative Sources of Energy (adiante abreviada em ASE), iniciada nos Estados Unidos nos primeiros anos 1970, e que deve ser hoje uma raridade bibliográfica a avaliar por uma rápida pesquisa na internet, foi pioneira no mundo da investigação prática, autónoma em relação a governos e indústrias, de fontes alternativas de energia de baixo impacto sobre o ambiente.
Os seus animadores iniciais foram Sandy (Sandra) e Eugene Eccli, e Don (Donald) e Abby Marier.
Os dois primeiros anos da revista deram origem a uma seleção de artigos que formam o livro com o mesmo nome, Alternative Sources of Energy (existente na biblioteca da Campo Aberto; para marcar consulta no local: contacto@campoaberto.pt). Com o mesmo título encontram-se referências na internet de um livro mais tardio, de autoria de Sandy Eccly. O livro inicial não reproduz os vários números da revista por ordem cronológica, mas está organizado por temas (ou categorias): energia solar, hídrica, incluindo ondas e marés, combustíveis como gás metano, álcool, gás de lenha e outros, transportes, geotermia, recuperação de energia dos resíduos, ar comprimido, agricultura, arquitetura e artes, ecoconstrução e sistemas combinados.
Apresentação da ASE por si mesma
A ASE começou por ser um pequeno boletim policopiado. A ideia da revista partiu de Don Marier, que colocou um anúncio na revista The Mother Earth News, fundada em 1970 por John e Jane Shuttleworth e na qual se exprimia o movimento ecológico de «regresso à terra» (back-to-the-land-movement). O anúncio propunha suscitar o contacto com outras pessoas interessadas na energia do sol, do vento e da água, com vista à constituição de um fórum em que se poderiam intercambiar experiências, informar sobre o que cada um está a fazer ou planear, referir leituras de interesse, dar largas à fantasia a respeito do futuro, comentar e analisar as ideias dos restantes, receber comentários sobre as próprias ideias e sujeitá-las a interrogações.
A revista, que se tornou igualmente numa rede de contactos e iniciativas, definiu-se como uma publicação destinada a pessoas interessadas no desenvolvimento de tecnologias alternativas com vista a uma sociedade descentralizada, com destaque para as fontes de energia baseadas em tecnologias alternativas do ponto de vista ambiental, incluindo na agricultura, na arquitetura, nos transportes e nas comunicações, e na síntese entre tecnologias antigas e novas.
Energia em todas as suas manifestações
Repare-se que não nos limitamos, presentemente, apenas a «energia solar, eólica e hídrica». Pensamos que focalizar apenas estritamente aspetos técnicos da produção de energia deixa de lado uma rica e significativa perspetiva que esperamos alcançar ao considerarmos a energia em todas as suas manifestações – físicas, ambientais e sociais.
O objetivo foi o de constituir uma rede de comunicação para a troca livre e gratuita de informações, com vista a incentivar o desenvolvimento de uma tecnologia alternativa por meio da partilha em cooperação de capacidades e de informação. Comunicar é o primeiro passo, que só se concretiza quando as pessoas assumem as suas atuais capacidades e começam a partilhar informação e a aprender umas com as outras.
A revista foi-se desenvolvendo, os custos aumentaram e algumas pessoas passaram a trabalhar nela com grande ocupação de tempo, mas continuou basicamente como revista de voluntários, com informação oferecida pelos autores e troca gratuita de informação. Os direitos de autor para reimpressão dos artigos foram devolvidos aos próprios autores.
Pistas para uma comunicação mútua
Sentimos que existem algumas pistas para que as pessoas comecem a comunicar:
a) ajudando a redigir a revista, escrevendo para ela;
b) visite-nos e ajude os redatores a publicar a revista; fique um pouco, fale-nos das suas ideias, consulte a nossa biblioteca, audiovisuais e outra informação;
c) contacte pessoas da sua região ou local indicadas na revista, que ajudarão a familiarizar-se com diferentes ideias e capacidades;
d) desenvolva as capacidades e conhecimentos que já possui juntamente com outras pessoas numa área específica de seu interesse, ou aprenda por si próprio determinados processos de fazer as coisas. Não existem áreas técnicas «especializadas» que as pessoas não possam aprender por si se se dedicarem a isso seriamente. Depois disso – ensine outras pessoas;
e) se possui já capacidades ou experiências bem desenvolvidas, escreva um artigo a partilhá-las; ajude outros a evitar alçapões e armadilhas causados pela inexperiência;
f) comece a investigar no sentido de elaborar pequenas brochuras, ou contributos parciais para elas, sobre «como fazer», que a ASE poderá publicar;
g) lance a sua própria versão da ASE, por exemplo, um boletim especializado em energia eólica, ou outra. Melhor ainda: faça como alguns dos nossos leitores e colaboradores e inicie boletins regionais, que abranjam todos os nossos tópicos, mas com ênfase local.
Capacidades
A informação é inútil a não ser que as pessoas tenham as capacidades que lhes permitam agir a partir dela. Se de facto queremos construir uma sociedade na qual as pessoas compreendam o seu próprio ambiente – e se ajudem umas às outras a criá-lo –, as pessoas têm que começar a adquirir, aprendendo, capacidades básicas. A única alternativa a isso é consentir que os «peritos» e as grandes empresas nos vendam a sua versão do mundo – e sabe-se aonde isso nos leva.
A maneira de aprender capacidades como as de construir, de trabalhar o metal, e outras, deverá ser favorecida. Necessitamos para isso de contactos que nos ajudem a aprender. Conferências, encontros e cursos em escolas também podem ajudar, e a ASE dá informações sobre esses eventos. Estamos também a pôr de pé uma lista nacional e, esperamos, internacional de escolas onde se ensinem tecnologias alternativas de forma regular.
Muitos leitores querem que a revista proporcione mais informação prática (do tipo faça-você-mesmo). Mas o aspeto «prático» depende de facto das capacidades de cada um. Se alguém sabe usar um torno mecânico ou soldar, e tem uma boa base teórica (de engenharia ou de ciência), construir um aerogerador deverá ser relativamente fácil. Mas interessa-nos conseguir que cada pessoa se implique – e não apenas aqueles que já possuem essa base à partida. É preciso saber no entanto que sem algumas dessas capacidades não somos capazes de completar um projeto, por mais que o desejemos.
Críticas e ciência
Alguns dos nossos artigos são criticados por não serem suficientemente «científicos». Aceitamos essa crítica se quem critica estiver disposto a ajudar outras pessoas, relacionando a teoria aos assuntos práticos, da mesma forma que os «escritores científicos» profissionais conseguem simplificar e explicar os conceitos da ciência fundamental ao grande público.
Como se pode ver no livro ASE, há muitos cientistas e professores, possuidores de sólidas bases teóricas, que estão prontos a ajudar, e é certo que precisamos da ajuda deles em muitos domínios. Convidamos os leitores que possuem formação e treino científicos a juntarem-se a nós na busca de um futuro melhor, mas deverão compreender que nem toda a gente vê o mundo com a visão tradicional de ciência. Todos nós temos algo a aprender.
Infelizmente, algumas pessoas têm de facto uma boa dose de capacidades e experiência, bem como uma boa base teórica, mas nem sempre desejam partilhar aquilo que sabem. Quando essas pessoas acabam por partilhar, todos se desenvolvem proporcionalmente, mas há muitas forças que incentivam quem quer que tenha capacidades e conhecimentos valiosos a perguntar «e que ganho eu com isso?» e a cobrar o que o mercado aceitar (quer em termos financeiros quer de prestígio). Pode-se lidar com isso pondo em comum as nossas capacidades e conhecimentos – na realidade, dispensando o «perito» que não quer entrar na partilha.
Gestão cooperativa
Em última análise, temos em vista redes de pessoas que criem os seus próprios bens e serviços numa base regional. Como isso se fará, e em que medida a descentralização é possível, não podemos dizê-lo. Mas vale certamente a pena falar disso e ter uma visão sobre isso. Nunca se realizará se as pessoas não construírem e apoiarem instituições que ajudem a que isso aconteça.
Imaginemos então indivíduos, grupos, cooperativas e pequenas empresas que produzam os produtos, criem os desenhos, prestem os serviços de que necessitamos – e que o façam numa base aberta e de ajuda mútua, por troca não monetária quando possível, partilhando a informação, permutando capacidades. Isso não acontecerá de um dia para o outro. Na nossa sociedade em que todos se entredevoram, desconfia-se muito das iniciativas altruístas. Temos que convencer as pessoas a adotar uma visão de longo alcance segundo a qual o bem comum serve o indivíduo, e de que uma cultura na qual apenas uns poucos têm o conhecimento e poder nos afunda a todos.
Negócios e bem comum
Por outro lado, alguém que lance algo considerado um negócio é muitas vezes visto como «capitalista» que explora as pessoas. O resultado disso é que muitas vezes se deixa de apoiar um indivíduo ou um grupo que tenha tomado a iniciativa em algum domínio, empurrando-os cada vez mais à situação de terem que desencravar dinheiro ou reconhecimento seja como for para conseguirem sobreviver. Pensamos que uma das grandes tragédias dos Estados Unidos é a estranha confusão entre «pequena empresa» e «capitalismo», quando na realidade as duas coisas são bem distintas, mesmo antagónicas.
Precisamos talvez de uma síntese entre os sistemas das guildas, dos sindicatos, das associações profissionais e das cooperativas. Leitor, diga-nos o que você pensa.
Implícito em tudo o que dissemos está a crença de que é possível – com pessoas que acreditem em si mesmas e umas nas outras – que todos nós possamos cada vez mais gerar uma matriz social capaz de sensibilidade e de liberdade humana. O que fazemos é apenas o princípio do princípio mas a experiência que até agora recolhemos reforçou a nossa fé naquilo que pode ser feito.
A energia capaz da maior força motivadora é a da comunidade humana que se vai tornando consciente das suas capacidades, e sobre elas atua, de uma maneira que permite o desenvolvimento de todos. A ASE e você são uma parte integrante e importante disso.
Sandy Eccli, Don Marier, Eugene Eccli, Abby Marier
Energia e Clima – uma linha de trabalho da Campo Aberto
Quer participar? Envie um email para contacto@campoaberto.pt
tendo como assunto: Energia e Clima
Pode ver três textos sobre esta linha de trabalho, no e-sítio da Campo Aberto:
Energia e Clima – objetivos de uma linha de trabalho
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