Introdução à 1.ª edição, de 2006
DESVENDAR A CIDADE VEGETAL
A Campo Aberto reincide, com esta edição, no tema das árvores e dos jardins. Não é por acaso que tal sucede. A ideia continua a ser dar a conhecer a beleza desse mundo, para muitos desconhecido, ou quase, feito de recantos mágicos e de seres prodigiosos, de refúgios onde o reino vegetal se defende do tempo e das modas urbanísticas.
Este livro regista muito das preocupações e actividade da Campo Aberto, através da sua Equipa Jardins. As visitas que levaram muitas dezenas de pessoas a alguns dos mais encantadores jardins e parques da cidade do Porto e seu entorno, significaram a necessidade de promover o conhecimento desses recantos – e também a urgência da sua protecção efectiva. Sabe-se como a gula do imobiliário vai fazendo cerco e apertando a malha em volta dos espaços verdes, das quintas e dos parques que restam.
Do mesmo modo, deve entender-se o esforço – coroado de êxito – no sentido de aumentar substancialmente o número de árvores classificadas com estatuto de preservação no Porto.
A opção dos autores da obra – desvendar essa «cidade» vegetal, encoberta e menosprezada – e fazê-lo sobretudo através da imagem, parece ser a mais correcta.
Pois quem, na azáfama dos dias metropolitanos, adivinharia a presença, no entanto tão real, de árvores centenárias, autóctones umas, de continentes distantes outras? Quem diria, no meio do coro mediático que enaltece as glórias urbanísticas e arquitectónicas mineralizantes, que há mais de um século, alguns portuenses (expoentes de uma burguesia informada e com inquietações estéticas) criaram espaços encantadores onde a árvore era o elemento essencial? Ou ainda que o velho burgo – chamado de «cinzento» – terá sido afinal, pioneiro, nessa aventura de recriação da Natureza e de «evocação do paraíso» que foi a construção de parques e jardins frondoso e variados?
Uma lição para os tempos de hoje, certamente.
Como alguém disse, joga-se, hoje, entre mineralização e vegetalização, o futuro das cidades. Entre um urbanismo feito para as pessoas (implicando a manutenção e recriação dos elementos naturais) e a deriva para o crescimento cego, induzido pela dinâmica do lucro e pela mercantilização do espaço público.
Mais precisamente, é a presença da natureza – a água, as árvores e as flores, o solo não impermeabilizado, o ar puro, a área disponível para passeio e descontracção, a própria fauna, harmonizando com os elementos construídos característicos de cada época histórica – que confere humanização à cidade. Este aparente paradoxo só verdadeiramente constitui problema para quem estiver desatento – não são esses indicadores de qualidade de vida os que avultam, nos estudos que distinguem as urbes habitáveis?
A secura – ou a esterilidade – de muito do urbanismo mais celebrado, a sua abstracção que secundariza o pormenor e a sensibilidade vivida, a sua ignorância da História e da sustentabilidade, acaba por, infelizmente, acrescentar ao ambiente urbano problemas cuja dimensão não pode ser ignorada.
Se uma cidade não pode prescindir de mudança, inovação e até ruptura, nada obriga a que os contributos do que é novo ignorem a memória dos lugares e a ecologia dos sistemas vivos – pelo contrário, parece-nos ser esse encontro e síntese um dos mais relevantes (expressão tão gasta!) «desafios do futuro».
Ao percorrer este livro, assim o esperamos, o leitor ficará com a sensação de que vale a pena defender os valores naturais que existem à nossa volta. Depende de cada um de nós a permanência de um património maravilhoso e inestimável.
Bernardino Guimarães
Presidente da Campo Aberto – associação de defesa do ambiente quando da publicação da 1.ª edição
Janeiro de 2006
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