Por ocasião do início de atividade do novo executivo municipal do Porto, resultante das recentes eleições autárquicas, a associação Campo Aberto exprime votos de que, mais do que simplesmente o início de um novo governo autárquico, se inaugure na cidade um novo ciclo cívico.
Em contraste com a última década, esse novo ciclo cívico deveria a nosso ver caraterizar-se por um diálogo leal e franco entre decisores e cidadãos, e pela abertura a soluções novas. No domínio que é o nosso, essa abertura deverá manifestar-se em questões de que depende a qualidade da vida urbana, incluindo o urbanismo e a regeneração urbana, a estrutura ecológica municipal e a biodiversidade, a função e o respeito pela árvore na cidade, seus parques e jardins, a energia, os transportes e a mobilidade numa perspetiva sustentável.
Antecedentes
Ao longo de 2013, e muito antes do início da campanha eleitoral, a Campo Aberto (juntamente com as associações AMO Portugal e APRUPP, e cidadãos a título individual) propôs a seis candidatos à presidência da CMP debater com cada um deles as questões acima referidas e as intenções de cada um nesses domínios.
Cinco aceitaram a proposta e um sexto delegou na sua equipa de campanha. O atual presidente da CMP, Rui Moreira, foi um dos que aceitou debater direta e pessoalmente connosco essas questões. Dos contactos havidos, ficámos com a esperança de que o novo executivo municipal prosseguirá a atitude de abertura e diálogo então evidenciada.
Algumas prioridades
O conjunto das preocupações expressas nesses contactos pode ser consultado em https://goo.gl//IzDSG6. Neste momento de voltar de página, destacamos, em intenção dos cidadãos e do novo executivo municipal, algumas das nossas prioridades.
Acabar definitivamente com o facto consumado
Na história recente do Porto houve várias tentativas de decisores, locais e por vezes não só locais, de impor à cidade transformações que perturbariam ou destruiriam elementos constitutivos ou emblemáticos da sua identidade. Nuns casos impôs-se a vontade desses decisores, noutras ela foi rejeitada, no todo ou em parte, pela mobilização dos cidadãos. Exemplos disso foram o caso dos Molhes da Foz, o projeto das torres de 27 andares na bordadura interna do Parque da Cidade, o atravessamento do jardim da Rotunda da Boavista pelo metro, as alterações na avenida dos Aliados, o mercado do Bom Sucesso, o mercado do Bolhão, entre outros. Sendo alguns dos casos relativos a transformações de grande envergadura, outros a intervenções mais limitadas, todos tinham em comum o facto de, aos olhos dos portuenses, desvirtuarem ou suprimirem aspetos essenciais do que entendiam ser aquela identidade.
Esperamos do novo executivo uma atitude radicalmente diferente, o abandono definitivo da política do facto consumado em casos desses, e sua substituição por uma atitude de auscultação prévia, diálogo e concertação.
Palácio de Cristal
Esse foi um caso semelhante aos citados, com a agravante de ter dado origem a uma rejeição autocrática, por parte da maioria do anterior executivo com apoio de parte da oposição, de um referendo local que tinha mobilizado milhares de cidadãos. A isso chamámos já uma bofetada na democracia.
A Campo Aberto, que integrou o movimento de defesa dos jardins do Palácio de Cristal promotor do referendo, não se opõe à recuperação e restauro do Pavilhão Rosa Mota e sua utilização como Centro de Congressos, desde que tal não origine uma carga excessiva que possa prejudicar os jardins. Opõe-se decididamente, no entanto, a quaisquer outras novas construções no recinto do Palácio, basicamente por tal constituir uma distorção e desrespeito da vocação essencial daqueles jardins e da arte dos seus criadores.
A imprensa atribuiu ao novo presidente da CMP a intenção de fazer do Rosa Mota um Centro de Congressos mas, como complemento e apoio ao Rosa Mota, de recorrer a outros espaços da cidade, com a vantagem suplementar de a fazer percorrer pelos congressistas. Consideramos essa solução viável e sensata e temos fé que não será atropelada, sendo de vez afastada a ideia de novas construções no recinto.
A árvore na cidade e a biodiversidade
Depois de uma fase (grosso modo 2001-2009) de melhorias na forma como a CMP tratava a presença da árvore na cidade, assistimos nos últimos anos a uma orientação opaca, com abates numerosos mal explicados ou de todo não explicados, ou cujas justificações, quando as havia, suscitaram um legítimo ceticismo por parte de associações e de muitos cidadãos.
Do novo executivo, a Campo Aberto espera uma atitude leal e transparente nesses domínios, com recurso à informação prévia e ao debate e concertação nos casos que se revelarem controversos. O mesmo se aplica à gestão dos jardins, parques e outros espaços verdes em geral, e ao cuidado com a biodiversidade urbana, concretizando a integração do Porto na rede mundial de cidades pela biodiversidade no âmbito das Nações Unidas. Finalmente, a CMP deve estar igualmente atenta à proteção do verde privado, estimulando e incentivando a sua conservação e procurando prevenir, dentro do quadro legal disponível e sem ferir direitos legítimos, abates e destruição de belíssimos jardins e parques não públicos que ainda vão subsistindo apesar do desaparecimento ou mutilação de muitos outros.
Parque da Cidade
Ao longo dos últimos doze anos, o anterior presidente da CMP, Rui Rio, manteve a sua promessa inicial de não permitir construção na bordadura interna do Parque da Cidade. Esse foi um dos aspetos mais positivos da sua gestão ambiental e urbanística (em outros aspetos muito insatisfatória), que a Campo Aberto sempre reconheceu, aprovou e apoiou. O que não condiz com isso deveu-se em parte a compromissos anteriores cuja negociação a CMP ainda tentou, sem êxito, e a armadilhas herdadas. No cômputo geral (e apesar de pequenas incoerências ou interpretações sui generis como no Sea Life), cremos que a palavra dada por Rui Rio em 2001, ao Movimento pelo Parque da Cidade e aos cidadãos, foi respeitada.
Do novo presidente da CMP, a Campo Aberto espera uma integração explícita desse acervo cívico. Para além disso, espera ainda que resista à tentação, a que algumas vozes pressionam, de fazer atravessar o Parque da Cidade por estruturas pesadas de tráfego, o que constituiria uma lamentável mutilação de um espaço que não tem essa vocação.
Campanhã
A melhor integração de Campanhã com o resto da cidade e a intenção de promover e melhorar a sua economia foram aspetos abordados por vários candidatos, inclusive pelo novo presidente do executivo. No entanto, salvo erro, pouco relevo foi dado a um dos grandes problemas de Campanhã e que reforça as suas fragilidades: as grandes barreiras arquitetónicas constituídas por infraestruturas pesadas e a existência de zonas «castanhas» e degradadas. A mitigação dessas desvantagens, que não será fácil e que terá que ser progressiva, deve ser tida em conta em quaisquer projetos económicos, empresariais e industriais para a freguesia. Mesmo projetos que podem em abstrato parecer dinamizadores e positivos, como por exemplo um interface rodoviário para autocarros e camionagem de médio e longo curso, se não forem concebidos nessa ideia de mitigação de barreiras, podem vir a agravar e não a melhorar o isolamento e a situação geral dos residentes na freguesia.
Campo Aberto – associação de defesa do ambiente
Porto, 23 de outubro de 2013
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