Sumário deste artigo em desdobramento permanente
6. Intervenção de José Miguel Fonseca da Associação Colher para Semear
5. Quinta de Segade em Penafiel
4. Do campo à cidade – da cidade ao campo (introdução)
3. A grande encruzilhada da agricultura, por Júlio Henriques
2. Uma jornada a repetir? Com ligações para dois documentos disponibilizados pela Eng.ª Maria Manuela Costa
1. Sobre a jornada de 11 de abril – informações iniciais
Noutro artigo:
Que agricultura para o Terceiro Milénio?, por José Carlos Marques
INTERVENÇÃO DE JOSÉ MIGUEL FONSECA
NA JORNADA «QUE AGRICULTURA PARA O TERCEIRO MILÉNIO»
Esta jornada, realizada no Porto em 11 de abril de 2015, começou com uma intervenção de José Miguel Fonseca, agricultor, fundador e animador da associação Colher para Semear.
A sua comunicação foi feita sem apoio escrito. No entanto, o essencial das ideias expostas pode encontrar-se no boletim O Gorgulho [pode consultar-se uma coleção quase completa na sede da Campo Aberto, sob marcação: contacto@campoaberto.pt], em vários dos seus números. Especialmente no editorial do n.º 37, da primavera de 2015, que reproduzimos a seguir. Os subtítulos são de responsabilidade da Campo Aberto. (Nota de 29 de junho de 2015)
Um rol de lamentações
Nos últimos meses, tenho assistido e participado em algumas jornadas onde se tem debatido o tema da agricultura familiar, assim como formas de cativar os jovens a adoptarem uma alternativa rural, abraçando a agricultura natural como ofício principal. Salvo poucas excepções, o sentimento que ecoa nesses debates é a exacerbação perante as contrariedades que as pessoas encontram no meio agrícola, acompanhando o discurso um rol de lamentações: as infestantes, os preços, a certificação, os subsídios (agora eufemisticamente intitulados ajudas), os prolongados horários de labor e outros tópicos menos interessantes, coisas que, somadas, apresentam um cenário desmotivador.
Como a agricultura do passado nos deixou uma pesada herança, difícil de sacudir, nestes tempos de trivialidades passou-se a chamar-lhe familiar, em vez de «de subsistência». Com exactidão, a actividade agrícola tem origem no seio da humilde classe camponesa e, no lado oposto da escala, representando a fidalguia, os lavradores latifundiários. Como é sabido, esta realidade alterou-se. Na grande maioria dos casos, terminou a sucessão geracional que assegurava a continuada ocupação do território, os campos jazem votados ao desprezo ou, pior ainda, vêem-se sujeitos à rapinagem do eucaliptal.
Futilidades e trivialidades
Os novos ocupantes assumem um papel de empresários, tratam a terra como se fosse uma jazida temporária e abusam dela até à exaustão dos solos. Os que têm mais sensibilidade esforçam-se por suavizar essa agressão, mas não estão preparados para enfrentar os desafios de uma actividade cheia de incertezas, sujeita aos caprichos da natureza, nem parecem estar espiritualmente vocacionados para encarar essas contrariedades, valorizando-se e crescendo com elas. Procuram formas de facilitar o processo e pelo caminho entregam-se a um conjunto de futilidades que lhes fazem perder momentos de comunhão com o todo.
A incapacidade que revelamos de partilhar e cooperar com outros também não abona a nosso favor. Posso substanciar afirmando que as coisas em que tive oportunidade de trabalhar em grupo, com objectivos comuns, foram as mais produtivas, tanto em satisfação pessoal como nos resultados do coletivo.
A arte de cuidar da terra
Devemos encarar a perspectiva rural, e em particular a arte de cuidar da terra, como uma forma de libertação, e não envolvendo-nos em mais uma teia bem montada de burocracias e dependências pior do que essas de que desejamos livrar-nos. As pessoas que aderem a estas novas miragens deveriam lembrar-se que os indivíduos ou entidades que prometem sucesso financeiro garantido para «projectos» estapafúrdios, com a finalidade de abastecer a economia de escala globalizada, são os mesmos que destruíram as nossas searas, vinhas e olivais, os mesmos que incentivaram o cultivo de variedades importadas em detrimento do nosso património genético, os mesmos que desmontaram os mercados que abasteciam a população e promoviam as economias locais. Será essa tecnocracia, a antiga e a renovada, digna de aquiescência? Ou vamos tomar em mãos o rumo do nosso próprio destino?
Agricultura familiar! Acho que sim – encham-se de coragem, cultivem a terra com respeito e a preceito, alimentem as vossas famílias com o melhor que lhes podem dar: os frutos do sagrado pó. Preparem-se para entender os ciclos da natureza, começando por observar o solo e seus organismos, as plantas adventícias que o identificam; criem ou mantenham condições para a sobrevivência e propagação da fauna auxiliar; escolham para cultivar os locais que apresentem menos impacto erosivo. Terão depois ao dispor uma panóplia de espécies, multiplicadas por inúmeras variedades, que podem semear e admirar ao longo do seu desenvolvimento. Na recompensa final de saborearem e distribuírem esses paladares e aromas, hão-de sem dúvida sentir-se livres e optimistas.
José Miguel Fonseca
QUINTA DE SEGADE EM PENAFIEL
Da parte da tarde, após a intervenção da Eng.ª Maria Manuela Costa (ver abaixo), seguiu-se a apresentação da Quinta de Segade como exemplo de um trabalho em modo biológico, biodinâmica e de agricultura familiar. Sobre esta quinta, podem encontrar-se dados elucidativos nestas ligações:
https://www.prove.com.pt/www/sk-pub-produtores.php?PRDID=9
https://www.igogo.pt/quinta-de-segade/
DO CAMPO À CIDADE
DA CIDADE — AO CAMPO
Nesta rubrica, incluiremos informações, textos e comentários (envie os seus para: contacto@campoaberto.pt) sobre a situação atual da agricultura no contexto do drama ambiental que a humanidade vive hoje. E isso na sequência da jornada «Que agricultura para o terceiro milénio?» realizada em 11 de abril de 2015, mas não apenas subordinada a ela, pois se pretende criar aqui uma ferramenta de comunicação, intercâmbio e trabalho para os esforços de tornar mais saudável a relação da nossa sociedade e de nós próprios individual e comunitariamente com a Terra e com a natureza, o que passa por uma revalorização da civilização camponesa e da sua continuação por uma civilização ecológica que necessariamente integrará uma dimensão agrícola e rural, mesmo que sob a forma neorrural.
Há dias deixámos aqui a referência de dois documentos, já integrados neste e-sítio, que nos foram comunicados pela Eng.ª Agrónoma Maria Manuela Costa, e que constituíram a sua intervenção na jornada já referida.
Os Solos e o Ano Internacional dos Solos
Biofumigação, uma técnica agrícola ecológica
Hoje, transcrevemos o texto na mesma jornada escrito e lido por Júlio Henriques, da associação Colher para Semear. É um texto que sintetiza admiravelmente uma grande soma de análises e perspetivas sobre este tema, que poderá ser objeto de debate (debate é ou pode ser concordar e discordar mas com vista ao enriquecimento mútuo de ideias e visões).
Após esse texto, podem ler-se informações aqui colocadas anteriormente. Mais ao fundo encontra-se a informação divulgada para a realização da jornada de 11 de Abril.
Campo Aberto – 20 de maio de 2015
Notas sumárias sobre
A GRANDE ENCRUZILHADA DA AGRICULTURA
Júlio Henriques
Subtítulos de responsabilidade da Campo Aberto
Na sua análise da evolução da agricultura portuguesa entre os anos 50 e os anos 90, publicada em 1996,[1] o Prof. Fernando Oliveira Baptista descreve extensamente os processos que alteraram de forma fundamental os trabalhos e a produção agrícolas, a ocupação do território e a relação do homem rural com a terra do ponto de vista produtivo e mental. Esses processos consistiram na penetração mais acentuada do capitalismo nos campos, em particular através do seu cavalo de Tróia que são as tecnologias industriais, que não incluem apenas máquinas, mas também as chamadas «sementes melhoradas», os produtos químicos de síntese e processos de trabalho inspirados na indústria.
É curioso notar, retrospectivamente, que ele o faz a partir do paradigma do produtivismo como orientação normal, e o regista, não só como um fenómeno inevitável mas também de índole progressiva, embora problematize seriamente diversos aspectos desta evolução geral.
Êxodo rural e mutação tecnológica
Segundo a sua análise, o êxodo das populações rurais desde os anos 60, acelerando «a transformação tecnológica da agricultura», generalizou o uso do tractor, do motocultivador, da ceifeira-debulhadora e até do avião, aplicado na monda e na adubação do arroz e do trigo nas zonas onde estes cultivos eram mais concentrados. Nessa enumeração de processos transformadores, em que refere a substituição dos aparelhos tradicionais de elevação de água pelo motor de rega, o acentuado aumento da utilização de adubos químicos, fungicidas e insecticidas orgânicos de síntese, o aumento do recurso às chamadas «sementes melhoradas» e dos alimentos concentrados para a alimentação dos animais, este grande estudioso das questões agrárias sublinha a acentuada diminuição das horas de trabalho necessárias à produção agrícola.
Ao mesmo tempo, a substituição de gado de trabalho pela motorização, levando a uma quebra na produção de estrume e à diminuição generalizada de fertilizantes orgânicos, ao contribuir para o incremento dos adubos químicos (introduzidos em Portugal nas duas últimas décadas do século XIX e cujo consumo aumentara quase quatro vezes entre 1950 e 1990), terá permitido «uma maior liberdade na relação do agricultor com a natureza». Ou seja, «a melhoria e manutenção da fertilidade da terra deixaram de depender apenas dos equilíbrios fabricados na sua exploração e passaram a poder ser doseadas e corrigidas com maior autonomia relativamente ao espaço onde se desenrola a actividade agrícola. Esse maior domínio do agricultor sobre o meio decorreu também da vulgarização dos fungicidas e pesticidas no combate às pragas e doenças que afectam plantas e animais».
Pecuária sem terra e emigração em massa
Além disso, o acréscimo na utilização das tais sementes melhoradas e sobretudo no grande aumento do recurso a alimentos concentrados para animais tiveram como consequência a constituição de um sector de unidades de pecuária sem terra (pocilgas e aviários) e um aumento substancial das importações agrícolas.
A adesão a estas transformações ter-se-á imposto aos agricultores como uma necessidade para se manterem no contexto socioeconómico em que a actividade agrícola passou a decorrer a partir da década de 1960, cuja faceta mais notória foi a emigração em massa. Aos agricultores que não conseguiram proceder a essa imperiosa reconversão tecnológica, restaram apenas três soluções: abandonarem a agricultura; alterarem profundamente a produção, em geral fazendo cultivos extensivos para minimizar os investimentos; ou resistirem graças ao sacrifício da remuneração do trabalho familiar, solução esta que só terá sido possível aos que estavam mais protegidos das dinâmicas dos mercados.
Agricultura familiar e resistência às crises
Este último aspecto é aqui de sublinhar, sendo reconhecido que as explorações familiares demonstram maior resistência às crises e mudanças, tendo em conta que a remuneração do trabalho dos membros do agregado familiar é frequentemente muito menor do que se fosse contabilizado aos preços do mercado de trabalho e que o sustento é em grande parte obtido directamente da terra que trabalham.
Nesse balanço de 40 anos sobre as pessoas que trabalham na agricultura em Portugal, o Prof. Fernando Oliveira Baptista distinguiu algumas tendências muito claras: o número dessas pessoas, em finais dos anos 90, era metade do que fora nos anos 50; aumentara o número de mulheres na agricultura e aumentara também o envelhecimento geral desta população; os trabalhadores familiares tinham passado a ser a maior parte da população agrícola e cultivavam mais de metade da superfície agrícola útil; e a maior parte das famílias ligadas a explorações agrícolas viviam também de rendimentos exteriores às unidades de produção.
Entretanto, tinha-se acentuado o recurso das explorações agrícolas a equipamentos exteriores e a empresas de serviços (tais como de contabilidade ou projectos), e tinham declinado a entreajuda e os trabalhos sazonais migratórios, mantendo-se embora os das vindimas, apanha da azeitona ou do figo.
As sementes e sua importância decisiva
Naquilo a que se chama reconversão tecnológica integra-se a adopção das chamadas «sementes melhoradas». Talvez valha a pena lembrar o caso do milho. Nos anos 60 e 70, a política estatal aconselhou e apoiou a substituição dos milhos regionais por milhos híbridos, em particular no Minho, mas deparou com grandes resistências. Os milhos híbridos eram mais exigentes na fertilidade dos solos e nos cuidados culturais, em especial no tocante à rega e à intensidade das adubações. O dispêndio em dinheiro com adubos e sementes aumentava cinco vezes e o subsídio estatal cobria no máximo um terço desse aumento da despesa.
Que agricultura promover?
A visão positiva da passagem da agricultura para formas mais integradas no capitalismo não é a que nos parece aceitável e muito menos de promover.
Gostaria de começar por dizer que os grandes problemas decorrentes da situação da agricultura contemporânea precisam de ter respostas políticas. Não no sentido estreito e com frequência estéril de políticas partidárias, mas no sentido mais fundo do necessário enfrentamento das questões públicas e colectivas que nos envolvem a todos.
A visão que em geral hoje se tem da agricultura está excessivamente contaminada pela centralidade que o imaginário do mundo urbano tem vindo a impor em todos os aspectos da existência. Isto provém da dimensão quantitativa do mundo urbano, resultante do facto de em 2008, pela primeira vez na história da humanidade, ter passado a haver mais habitantes nas cidades do que no campo. Mas resulta também, e talvez sobretudo, da dimensão qualitativa que a visão urbana ou citadina passou a ter na sequência do deperecimento do mundo rural camponês. A cidade, lugar de concentração, antes de mais militar e policial, teve sempre um papel imperial, foi sempre o centro do poder. Mas entretanto, com o desenvolvimento das tecnologias formatadoras de comportamentos conformistas, a cidade adquiriu uma supremacia que pretende ser inquestionável, encarando a ruralidade como o lado obsoleto da evolução humana – ou, na melhor das hipóteses, como paisagem, necessariamente turística. De resto, foi o olhar urbano, auto-referencial, que escreveu a História, que determinou o que é relevante e memorável, que definiu o que significa cultura. Segundo essa perspectiva, o campo é um ambiente residual, uma realidade muda, vestígio de um tempo ultrapassado.
Metabolismo urbano depende do campo!
E isto apesar de o metabolismo urbano depender inteiramente do que acontece no campo. Tanto dos alimentos como de outras coisas que ali se produzem. Para as actuais jovens gerações, cujo referencial básico passou a ser essa entidade endeusada a que se chama novas tecnologias, e o seu respectivo mundo exterior ao solo, é muito menos evidente a dimensão rural que a própria cidade sempre teve até tempos recentes. Como lembra um autor espanhol, Marc Badal, num livro recente e admirável,[2] essa dimensão rural presente na cidade está hoje contida no pensamento e na recordação dos que saíram das suas aldeias sem as terem abandonado por completo, na vontade que têm de lá voltar sempre que podem, dos homens e mulheres que se sentem exilados na cidade.
Porque os camponeses do nosso tempo foram-se das suas terras em silêncio, expulsos por algo que era implacável mas que, por assim dizer, não tinha rosto; por um inimigo que não parecia facilmente identificável e que quase sempre se associava ao destino ou à fatalidade. Pierre Clastres assinalou que o genocídio mata um povo nos seus corpos e que o etnocídio o mata no espírito. Foi isso que em parte aconteceu com aqueles a quem chamamos camponeses, embora entre si eles se designassem com o nome de lavradores. Agora, ao mesmo tempo que a cidade contemporânea oculta as últimas características da sua ruralidade, vêem-se no campo, com nitidez cada vez maior, os sinais de identidade que a sua nova condição urbana vai importando, em grande parte também através da omnipresente tecnologia.
Desdém urbano pela gente do campo
Neste contexto, há um aspecto, não sei se peculiar a Portugal mas em todo o caso muitíssimo acentuado na sociedade portuguesa, que merece ser tido em consideração. Refiro-me àquilo a que podemos chamar «complexo da doutorice». Este «complexo», desde os anos 80, quando na ressaca da derrota do movimento revolucionário do 25 de Abril a velha sociedade voltou ao de cima com as suas hierarquias de dótores, alastrou a uma grande parte da juventude, que desdenha o campo, mesmo ou sobretudo quando nele vive, e até os seus ascendentes se estes forem «gente de lavoura». Isto explica o facto de haver, comparativamente, menos jovens portugueses do que estrangeiros que optam por tornar-se agricultores ou artesãos.
O que antes disse a propósito da necessidade de uma atitude política é porque me parece que a agricultura costuma ser abordada sobretudo como técnica, como conjunto ou diversidade de técnicas, e que se a discute amiúde a partir daquilo que se concebe como um pragmatismo, fazendo questão de pôr de parte o que não seja intrinsecamente ou exclusivamente desse foro. Mas, citando Pierre Rabhi, «para compreendermos o grande impasse em que nos encontramos, não podemos limitar-nos a constatar a problemática agrícola. Se a agricultura moderna é tão destruidora e tão ignorante das leis da vida, é porque se inscreve num movimento geral da sociedade que parece igualmente crucial compreender e repensar».
Agricultura Biológica e suas deturpações
Lembraria aqui o que há dez ou onze anos o nosso companheiro da associação Colher Para Semear, Ricardo Paredes, escreveu na revista Coice de Mula, ao assinalar que a agricultura biológica não é uma panaceia. «A noção de subdesenvolvimento agrícola a que a agro-indústria, de produção mercantilista, reduz a agricultura de bons velhos hábitos, tem suscitado a propagação (e aceitação) da ideia de que a agricultura tradicional, arcaica, é coisa obsoleta, para depois se poderem inventar (e autenticar) novos processos produtivos. É frequente assistirmos, através de directrizes da União Europeia, à valorização das áreas cultivadas no chamado regime biológico, fomentando-se por incúria o desaparecimento do minifúndio pluricultural arreigado nas comunidades apontadas como estando aquém do chamado desenvolvimento. Ganha assim ascendente uma nova forma de ideologia agrícola escudada em si mesma que funciona através de códigos de conduta transformados num selo de avalização para o consumidor, na crença cega de que isso legitimaria o ‹bom consumo›. Convém notar que a própria denominação de Agricultura Biológica é já uma marca de registo, com direito ao uso exclusivo de uma dada terminologia, tal como as expressões biológico, ecológico, amigo do ambiente, etc.»
Com efeito, a chamada Agricultura Biológica, embora constitua uma evolução positiva em relação à agricultura industrial, não significa necessariamente um avanço que possamos aplaudir de olhos fechados. Uma boa parte da AB, a mais transaccionada e integrada no sistema da subsidiação, já faz parte do capitalismo verde.
A mais essencial e vital das actividades humanas
O que julgo necessário sublinhar é que a agricultura do nosso tempo não é uma questão secundária, uma coisa mais ou menos simpática mas muito inferior aos planos de desenvolvimento que os governos andam sempre a cozinhar. A agricultura, precisamente por ser a mais essencial e vital de todas as actividades humanas, está no âmago dos grandes questionamentos que começaram a pôr em causa os fundamentos desta civilização, que hoje interrogam radicalmente o imaginário produtivista decorrente das revoluções industriais, de que resultaram organismos e entidades massificados, sobredimensionados, incontroláveis pelos cidadãos comuns e que, como argumentam todos os governos, só podem ser administráveis com base numa teia de corpos especializados de técnicos ou peritos, abarcando-se nestes técnicos, para começar, grandes forças policiais e militares dissuasoras de qualquer oposição séria aos ditames governativos.
Quando nos países ditos civilizados as despesas de saúde já estão em vias de ultrapassar as despesas com a alimentação, isto mostra que as bases desta civilização são altamente criticáveis, não só em palavras mas sobretudo em actos. Que se impõe mudar, não de governo, mas de civilização. É nisto, porém, precisamente, que muitos de nós podemos sentir-nos paralisados, porque esse cometimento, certamente necessário e cuja necessidade se revela urgente, parece inalcançável pela sua aparente desmesura.
Alimentos, saúde e agricultura
Dos agricultores espera-se que os seus produtos não sejam nocivos à saúde humana. Mas hoje sabemos que essa esperança se vem tornando cada vez mais aleatória, e que em muitos lugares do mundo as pessoas que partilham entre si uma refeição, em vez de proferirem o tradicional «bom apetite», são levadas a dizer aos seus comensais «boa sorte!»
As artificializações tecnicistas consubstanciais à sociedade industrial, alicerçada na intensificação do lucro por todos os meios e no desenvolvimento de máfias empresariais e políticas, têm levado muita gente a esquecer que a vida humana depende directamente da agricultura, no único planeta que podemos habitar. A produção de alimentos, da forma como é levada a cabo maioritariamente, tornou-se em si mesma um problema de graves dimensões, tendo a agricultura industrial passado a constituir um desastre programado.
Do abandono dos campos às alterações climáticas
São muitos os factores que contribuem para isso. Lembremos apenas alguns: concentração no sector agroalimentar de corporações financeiras transnacionais que impõem as suas directivas a governos nacionais e internacionais (caso da União Europeia); monoculturas intensivas e extensivas vocacionadas para a exportação, concebida como panaceia económica; açambarcamento de terras por empresas multinacionais ou governamentais em diversas partes do mundo, levando à expulsão de camponeses dos seus próprios habitats; utilização de maquinaria cada vez maior, mais dispendiosa e mais pesada; recurso exponencial a pesticidas, herbicidas e outros ecocidas; desenvolvimento imparável de organismos geneticamente modificados; dependência estratégica de combustíveis fósseis e das guerras que a sua posse fomenta; incessante esgotamento dos solos; incontrolável poluição das águas; desvitalização dos próprios alimentos; doenças provocadas entre trabalhadores do agronegócio e consumidores dos seus produtos; transportes colossais decorrentes dos processos da comercialização mundializada; influência de tudo isto nas alterações climáticas.
Um tal conjunto de factores representa um dos aspectos da encruzilhada civilizacional em que a agricultura se encontra. Um outro aspecto são as alternativas que têm vindo a ser criadas a esta predatória produção de alimentos.
Esperança e alternativas
É aqui que entram certamente as práticas agrícolas e de acesso aos alimentos, opostas à massificação e racionalidade do capitalismo, que se configuram, por exemplo, na agricultura familiar, procurando relocalizar a economia, produzindo e consumindo localmente.
No mundo inteiro, desde há décadas, são muitos os grupos de pessoas e movimentos que lutam contra este estado de coisas, promovendo práticas que estão a edificar uma outra agricultura e suscitando, ao mesmo tempo, formas mais justas e saudáveis de acesso aos produtos agrícolas. Este movimento geral, que não aparece nos noticiários nem é dado a conhecer pelos médias dominantes, resulta de um longo processo de consciencialização que encara a terra, não como uma coisa de que os homens podem apoderar-se a seu bel-prazer, mas como uma entidade nutriente que devemos respeitar, proteger e venerar, considerando-a sagrada.
Nas práticas destes novos conhecimentos e capacidades estão a emergir novas relações: dos seres humanos com a terra e dos seres humanos entre si.
Júlio Henriques
[1] Em «Declínio de um tempo longo», na obra colectiva O Voo do Arado, Museu Nacional de Etnologia – Instituto Português de Museus, Ministério da Cultura, Lisboa, 1996
[2] Marc Badal, Vidas a la intemperie, editorial Campo adentro, Madrid, 2014.
Textos anteriores a 20 de maio de 2015
UMA JORNADA A REPETIR?
Cerca de 50 pessoas estiveram todo o dia ou boa parte dele nesta jornada realizada em 11 de abril de 2015. O interesse de todos foi notório. Apesar de alguns pequenos problemas técnicos, muitas delas só arredaram pé às 19:20, depois de uma roda em que quase todos quiseram exprimir a sua opinião sobre a forma como tinha decorrido esse encontro.
Quase todos também se mostraram interessados em participar em novo encontro semelhante dentro de um ano. Alguns mesmo foram de parecer que um intervalo de um ano seria demais. Houve quem sugerisse que, a propósito de um Ciclo de Cinema que a Campo Aberto pretende organizar no próximo outono com a colaboração da Associação Colher para Semear (que realizou um ciclo desses em novembro de 2014 em Idanha-a-Nova, intitulado Cinema Com Terra), se poderia já convocar um pequeno fórum em que urbanos e rurais, citadinos e neorrurais, e todos os que sentem a terra, pudessem prosseguir o diálogo que se verificou nesta jornada.
Divulgamos aqui dois documentos apresentados ou referidos no encontro pela Eng.ª Maria Manuela Costa, da Sociedade Portuguesa de Ciência do Solo, a quem agradecemos tê-los disponibilizado, um que resume a sua apresentação na jornada sobre o Ano Internacional dos Solos, e outro sobre uma técnica ecológica, a Biofumigação, uma alternativa a pesadas intervenções químicas. Aguardamos que os restantes intervenientes nos enviem uma síntese ou alguns tópicos das suas comunicações para que possamos igualmente colocá-las ao alcance não só dos que participaram na jornada como de outros interessados.
Os Solos e o Ano Internacional dos Solos
Biofumigação, uma técnica agrícola ecológica
EM JEITO DE BALANÇO DO ANO INTERNACIONAL DA AGRICULTURA FAMILIAR E DE ABERTURA DO ANO INTERNACIONAL DO SOLO
Ao longo dos seus quase 15 anos de existência, a Campo Aberto tem dedicado atenção especial aos problemas do ambiente rural e da sustentabilidade na agricultura.
Na sequência desse interesse constante, a associação, em cooperação com outras associações e iniciativas semelhantes (Horta da Quinta da Fontinha ou Espaço Musas, Casa da Horta, Campanha Sementes Livres, Associação das Mulheres Agricultoras e Rurais Portuguesas), e em parceria com a Fundação Escultor José Rodrigues, do Porto, realiza no sábado 11 de abril de 2015 uma jornada dedicada ao tema «Que agricultura para o terceiro milénio?», em jeito de balanço do Ano Internacional da Agricultura Familiar (2014) e de abertura do Ano Internacional do Solo (2015).
Nela serão feitas três comunicações com a participação de três produtores de agricultura biológica e de um horticultor. A primeira, a cargo de José Miguel Fonseca, a segunda, de Júlio Henriques, ambos pertencentes à Associação Colher para Semear – Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais, que edita o boletim O Gorgulho, estando a terceira a cargo de Graça Trigueiros e António Sousa Pereira (produtores de agricultura biológica da Quinta de Segade, concelho de Penafiel).
Haverá ainda ao princípio da tarde uma intervenção pela Eng.ª Agrónoma Manuela Costa, da Sociedade Portuguesa de Ciência do Solo, alusiva ao Ano Internacional do Solo que se celebra neste ano de 2015.
Haverá ainda debate do tema por pequenos grupos e debate generalizado sobre as conclusões desses grupos, em volta de tópicos que incluem dimensões como: as pessoas na agricultura, modalidades de práticas agrícolas a nível familiar, local e comunitário, produtores e consumidores – rurais e urbanos, e alimentação, saúde, sociedade e cultura (ver no final deste artigo alguns tópicos sugeridos para os pequenos grupos).
A Fundação Escultor José Rodrigues, anfitriã desta jornada e parceira na sua realização, fica na rua da Fábrica Social, s/n, 4000-201 Porto. Para quem desce a rua de Santa Catarina vindo do Marquês, encontra placas de fundo castanho (com o dístico Fundação José Rodrigues), que sinalizam o acesso de carro, com entrada pela rua da Fontinha, ou entrando pela Rua das Musas, ao Bonjardim.
PARA SE INSCREVER
1- Utilize o formulário próprio. Selecione, ao alto, o item «Jornada sobre agricultura (11 de abril)». Pode ainda inscrever-se até segunda 7 de abril de 2015.
2- Anexe comprovativo do pagamento (€2,00 para sócios das entidades organizadoras; €5,00 para não sócios; caso opte pelo almoço, acrescente €12,00, não sem antes verificar junto da organização se ainda há vaga para o almoço; caso não haja, poderá almoçar nas proximidades; veja os pontos 3 e 4 abaixo). Veja as instruções sobre pagamentos, e utilize-as em tudo o que não for incompatível com as constantes desta informação.
Em caso de dificuldade com o formulário ou em anexar o comprovativo, contacte: atividadesca@gmail.com ou tm 918527653
3- Se optar pelo almoço, indique no formulário, no campo «Observações», qual o prato escolhido: peixe-bacalhau com broa; carne-caril de frango com arroz basmati; vegetariano: legumes no forno com queijo e cogumelos.
4- Se inscrever mais do que uma pessoa, preencha um formulário por pessoa, seguindo estes passos.
Sobre o almoço: quando for atingido o número máximo de participantes, pode ficar em lista de espera para eventuais desistências ou, se preferir, faremos de imediato a devolução da quantia paga.
Nesse caso, poderá optar por almoçar nas proximidades (zona Bonjardim, Gonçalo Cristóvão, Sta Catarina) ou no piquenique promovido pelo Espaço Musas (Quinta Musas da Fontinha, uma das associações organizadoras, a 5 ou 10 minutos do local da jornada).
Para este último caso, contactar: lchambel@gmail.com
PROGRAMA E HORÁRIO
9:30 Chegada dos participantes e receção
10:00 Abertura
10:30 Comunicação 1: José Miguel Fonseca, da associação Colher Para Semear
11:00 Comunicação 2: Júlio Henriques, da associação Colher Para Semear
11:30 Debate
12:30 Encerramento da parte da manhã
12:30/14:30 Período de almoço
14:30 Reabertura – período da tarde
14:45 Comunicação 3: Graça Trigueiros e António Sousa Pereira (Quinta de Segade)
15:15 Curta intervenção da Eng.ª Manuela Costa, da Sociedade Portuguesa de Ciência do Solo, e Comentários de quatro convidados sobre as três comunicações
15:45 Formação de quatro grupos pequenos de debate, com um relator, a escolher no grupo
17:15 Curto relato de cada grupo em plenário, conclusões gerais, debate
18:00/19:00 – Encerramento
TÓPICOS PARA O DEBATE EM PEQUENOS GRUPOS
A título indicativo, e como sugestão (ampliável pelos participantes), ficam quatro possíveis linhas de debate:
AS PESSOAS NA AGRICULTURA
– instalação de jovens agricultores, programas de apoio
– rurais e neorurais
– urbanos e rurais; agricultura apoiada pela comunidade; AMAP
– agricultura e turismo rural
MODALIDADES
– agricultura familiar, pequena agricultura, agricultura comunitária
– agricultura comunitária em meio urbano
– agricultura local e de longa distância
– agricultura sustentável ou agricultura de vanguarda tecnológica
PRODUTORES E CONSUMIDORES
– importação e exportação no modo convencional e no modo biológico
– preços no comércio alimentar convencional e preços no setor biológico
– como aumentar o número de consumidores da agricultura local
– como aumentar o número de consumidores da agricultura biológica
ALIMENTAÇÃO, SAÚDE, SOCIEDADE, CULTURA
– alimentação, saúde e iliteracia alimentar
– agricultura e nutrição
– agricultura terapêutica
– entusiasmo pela agricultura e pelo campo, genuíno, modismos, equívocos
o link para inscrições não abre…
j.b.
Boa tarde Sr. João Barrote
Deve inscrever-se nesta jornada clicando onde diz “formulário próprio”.
É a esse link que se refere?
Lúcia Magalhães