2017 – 30 de janeiro de 2017
Uma recente tertúlia (veja sobre ela a rubrica neste e-sítio intitulada Observatório do Urbanismo), organizada pela Campo Aberto em colaboração com a ACER – Associação Cultural e de Estudos Regionais, trouxe à baila de novo o tema do Mercado do Bolhão no Porto. E isso fez-nos ir buscar ao fundo do baú uma pequena crónica publicada no Jornal de Notícias, talvez por volta de 11 de janeiro de 2008, quando o projeto que existia para aquele espaço era muito diferente e muito mais descaraterizador e agressivo do que o projeto que em 2016 foi posto na ordem do dia.
Nessa crónica de 2008 está presente um assunto que também aflorou no debate que surgiu na tertúlia de 25 de janeiro de 2017, e que é a razão de ser desta rubrica «Movimento Pegada Alimentar»: a importância que é preciso dar ao incentivo ao cultivo e consumo de alimentos de qualidade produzidos a distâncias curtas dos locais de consumo, neste caso num raio de 50 a 80km do Porto.
Em 2011, a Campo Aberto debruçou-se sobre o assunto dos mercados municipais em geral num seminário intitulado «Agricultura Local Sustentável, Combate ao Desemprego e Mercados Municipais». A ideia do seminário remonta a 2009 mas só viria a ser realizado dois anos mais tarde. Após a crónica, reproduzimos aqui o primeiro texto que definiu o objetivo e a estrutura base que se pretendia, ainda com um nome diferente do que viria a ter quando se realizou, em 28 de junho de 2011. A organização foi da Campo Aberto em conjunto com a Plataforma Transgénicos Fora, e decorreu na Escola Superior de Biotecnologia, no Porto (à Asprela).
Ao ler a crónica de 2008 sobre o Bolhão, que reproduzimos a seguir, não esquecer que nela se fala de projeto já posto de parte, felizmente. Se tivesse sido executado, teria transformado o Bolhão em mais um centro comercial, como aconteceu entretanto com o Mercado do Bom Sucesso.
Mercado do Bolhão, Alimentação e Saúde (em 2008)
Requalificação é hoje uma palavra que serve para tudo e para nada, sobretudo para confundir. Obviamente, o Mercado do Bolhão, de valor duplamente patrimonial, pelo edifício e pela atividade em si que é um património vivo, precisava de ser conservado, restaurado e revitalizado. Mas o valor cultural final da operação depende do seu enquadramento mais amplo.
Os mercados de frescos e de ar livre, em geral de índole municipal, estão hoje a ser comprimidos e empurrados para uma progressiva extinção por via de um domínio exagerado das grandes superfícies e de um descuido programado. A operação prevista para o Bolhão, ao contrário das aparências dadas pela manutenção do mercado de frescos num piso intermédio, inscreve-se nesse movimento em vez de tentar revertê-lo. E isso porque esse aspeto tradicional e atual é relegado para uma fração afinal subalterna no novo projeto. Se de facto se quisesse manter e consolidar a função essencial e histórica, as novas atividades a introduzir deveriam circunscrever-se a um papel complementar (a título de exemplo e sem rigidez, pode sugerir-se um terço da área), continuando o mercado de frescos a ter o papel dominante.
Não há aqui espaço para explicar por que razão a revitalização e ampliação de uma rede de mercados municipais de frescos, com o Bolhão como elo indispensável, é importante para o nosso futuro. Às razões de qualidade alimentar e saúde pública, junta-se o urgente apoio que os centros urbanos devem dar à revitalização da agricultura de proximidade, através do incentivo à horticultura e policultura numa cintura de uns 50 a 80 quilómetros em torno do centro urbano, com contratos estabelecidos com velhos e jovens agricultores segundo cadernos de encargos que garantam uma qualidade alimentar e ambiental superior à média. Iniciativas como os grupos de agricultura apoiada pela comunidade inscrever-se-iam no âmbito desse processo.
Além deste aspeto, levantam legítimas dúvidas e preocupações os trabalhos a exercer no subsolo, de que se usa e abusa hoje sem qualquer consideração pelo estado lamentável em que se vão deixando os lençóis freáticos. As esperanças suscitadas pela reabilitação do centro histórico do Porto, cujo êxito é essencial para o futuro da cidade, são sombreadas pela tendência para trabalhos pesados no subsolo parecer estar a prevalecer sobre soluções acima do solo, que são em princípio menos lesivas. Essa tendência deveria ser corrigida. Infelizmente, o Bolhão será um passo mais numa direção errada.
No capítulo habitação, a dimensão prevista atribui um papel relativamente marginal a esta função. Em todo o caso, e dado o extenso parque de habitação degradada no centro do Porto, afigura-se contraditório introduzir habitação em edifícios que nunca tiveram essa função nem foram concebidos para a terem. Poderá ao menos esperar-se que essas frações venham a criar um efeito de arrasto, pondo na «moda» morar nos quarteirões envolventes. Efeito que se poderia aliás talvez obter em edifícios aí existentes que sempre tiveram essa função. * Nota de 30-01-2017: esta crónica foi assinada por José Carlos Costa Marques, apresentado como um dos fundadores da Campo Aberto – associação de defesa do ambiente, mas foi publicada sob sua responsabilidade pessoal sem comprometer a associação. Esta, no entanto, tem adotado uma linha de trabalho nesta matéria que não difere, no essencial, do teor da referida crónica.
Projeto Mercados Municipais e Agricultura Sustentável:
economia local, alimentos e saúde (de 2009, realizado em 2011)
Os mercados municipais estão moribundos e ameaçados de serem transformados em centros comerciais; a pequena agricultura próxima dos centros urbanos em vias de quase total abandono ou em penosa situação social e económica. As grandes crises alimentares globais (vacas loucas, gripe das aves, contaminação pelas dioxinas e outras substâncias químicas, desconfiança do público mais informado face a novas tecnologias como os transgénicos e a nanotecnologia), tudo isso só encontra alternativas em tendências incipientes entre nós como a agricultura biológica e ecológica e a agricultura de proximidade apoiada pela comunidade.
Chegou talvez o momento de entrelaçar todos estes fatores e dar corpo a um projeto, na nossa região, de caráter social, ecológico e económico que lance pistas para um incentivo eficaz a uma agricultura de proximidade que siga cadernos de encargos sérios e exigentes em matéria de qualidade e que, em contrapartida, proporcione aos agricultores atuais e a novos agricultores canais de escoamento que correspondam a uma mais informada escolha por parte de consumidores esclarecidos.
Nesse contexto, a revitalização dos mercados municipais como mercados de produtos frescos e de qualidade comprovada em termos de sustentabilidade e sanidade do seu modo de produção poderia desempenhar um importante papel de alavanca. Os organismos oficiais ligados à economia e à agricultura, quer a nível municipal quer a nível da administração regional, seriam outra das componentes imprescindíveis. Parceiros privilegiados poderiam ser os programas de desenvolvimento rural, a aplicação das medidas agroambientais, o Leader II, os movimentos de consumidores, os produtores e consumidores de alimentos biológicos.
A realização de um seminário que reunisse estas diferentes componentes seria uma forma de avaliar até que ponto se encontrariam na região do Porto intervenientes interessados e capazes de pôr em marcha um projeto com estas características.
O seminário, com a duração de um dia, teria quatro «oficinas»: 1 – saúde, alimentos e agricultura; 2 – produção agrícola de proximidade; 3 – economia local, alimentos e sustentabilidade; 4 – comercialização de alimentos, mercados municipais e agricultura apoiada pela comunidade.
2016 – 2 de setembro
Mais dicas da Mónica Barbosa
De Mónica Barbosa, transcrevemos mais abaixo novo contributo interessante e sugestivo de formas simples de contribuir para encorajar os produtores locais e de diminuir o peso do transporte de alimentos a longa distância.
«O investimento em alimentos produzidos de forma artesanal é um investimento ético, principalmente, se conhecermos os produtores e soubermos onde eles gastam o dinheiro das nossas compras.
Partilho convosco que no fim de semana passado fui à loja da Herdade do Freixo do Meio no Mercado da Ribeira, em Lisboa, e gastei lá 80 euros com IMENSO gosto. Admiro e quero apoiar com o meu dinheiro o trabalho daquela quinta em vez de apoiar as grandes cadeias de supermercados que importam alimentos ou que exploram os produtores que usam químicos e que são subsidiados para o uso de gasóleo, adubos, pesticidas e tudo terminado em idas.
Prefiro investir o meu dinheiro no Freixo do Meio do que 20 euros na manicure, 50 euros no cabeleireiro, 20 euros num restaurante, 10 euros numa camisola nova, etc.
As coisinhas boas [que divulgo] são uma alternativa aos ingredientes industriais produzidos em massa e pobres em nutrientes, com aditivos que não devemos introduzir no nosso corpo.
Os nossos alimentos são produzidos [na aldeia de Chão Sobral, na Serra do Açor, perto de Oliveira do Hospital] a 600m de altitude, sem recurso a químicos, regados com água pura da nascente da Serra da Estrela, com estrume das nossas cabras e galinhas, com trabalho manual, sem recurso a máquinas e o gasóleo a elas associado.
[Apenas um exemplo dos muitos que a Mónica divulga:
OVOS
a 2€
nossos e de 2 vizinhas que passaram a alimentar as galinhas como nós.
Graças ao vosso interesse em ovos éticos, mais 2 famílias alimentam as suas galinhas de forma mais saudável.»
Uma lista com numerosas sugestões de produtos alimentares locais, biológicos, e produtos de artesanato (facas até), pode ser-lhe pedida para: monicapbarbosa@gmail.com].
2016 – 24 de fevereiro
Um novo contributo
Trazemos hoje um novo contributo para esta perspetiva da «pegada alimentar». Deixar uma marca ecológica menos negativa quando nos alimentamos passa também por compreender o mecanismo perverso dos preços dos produtos agrícolas que faz com que os de mais grave conteúdo para o ambiente sejam os mais baratos. Mónica Barbosa, no texto que se segue e que lhe pedimos nos autorizasse a inserir aqui, explica muito bem esse aspeto. Sobre o assunto ela aconselha que se leia uma página do CIDAC sobre Comércio Justo e outra da Ecocasa.
Mónica Barbosa, psicóloga clínica, ex-funcionária pública em transição, está a viver em Chão Sobral, Serra do Açor, sendo permacultora a tempo inteiro, em processo de simplicidade voluntária e decrescimento. Saiu de Lisboa há quatro anos e esteve dois anos na Aldeia das Amoreiras a colaborar no projeto ecológico de desenvolvimento local do GAIA, o Centro de Convergência.
SALÁRIOS BAIXOS, PREÇOS BAIXOS DOS ALIMENTOS
Se reivindicamos salários altos, significa que queremos valorizar a nossa mão de obra. Queremos valorizar o nosso preço/hora. Se reivindicamos comida barata significa que estamos a desvalorizar a mão de obra de quem os produziu. Estamos a desvalorizar o preço/hora do trabalho dos outros.
Parecem dois movimentos incompatíveis, opostos. Estamos a dar uma cravo e outra na ferradura. Queremos sol na eira e chuva no nabal. Parece que não é compatível que peçamos subida de ordenado e depois andemos à procura de baratezas. Mais cedo ou mais tarde o nosso ordenado vai ter que descer porque há-de haver quem ache que se deve pagar menos pelo nosso trabalho também.
Temos de escolher: ou queremos artigos baratos para comprar e temos que aceitar que os nossos ordenados também vão ser arrastados por isso, ou queremos ordenados justos e temos de aceitar pagar preços justos pelo que compramos. Porque se o dinheiro circula, em roda, o que vai volta. Se sai pouco entra pouco.
Comprar a preço justo
A melhor forma de garantirmos salários justos é comprarmos artigos a preço justo. Artigos de empresas que paguem de forma justa aos trabalhadores. Assim estamos a contribuir para que o nosso preço/hora não venha a ser regateado também. Assim os outros (esses trabalhadores) vão poder continuar a pagar os nossos serviços. Não será melhor desconfiar do que é barato? Quantas vezes não temos a noção que o valor que pagámos por uma coisa não serve para pagar o material, o trabalho, a distribuição… todo o processo?
Os preços baixos de hoje são reflexo de uma industrialização poluente ou de uma agricultura subsidiada em gasóleo e herbicidas, fungicidas, etc, tudo poluente. Por isso, a maior parte dos produtos baratos que adquirimos hoje são apenas falsamente baratos. O preço que estamos a pagar por eles é altíssimo.
Pagamos um preço em qualidade do ar, qualidade da água, qualidade da terra, qualidade dos alimentos e por aí fora.
Para garantirmos uma sociedade justa e valorizada precisamos consumir menos quantidade de produtos para comprarmos produtos a preço justo.Em vez de 5 camisolas a 3€, mais vale comprar uma de 15€ a uma marca com ética. Na verdade, precisamos de tantas camisolas ou são apenas para nossa vaidade?
Em vez de ir jantar fora, não valerá mais a pena comprar alimentação biológica para cozinhar em casa? Cada um saberá o que pode e quer fazer.
Mónica Barbosa
Colabore com esta rubrica. Envie os seus comentários, sugestões e contributos para: contacto@campoaberto.pt
Divulgamos a seguir uma atividade com estreitas relações com a ideia de Movimento Pegada Alimentar (que constitui, mais abaixo, o principal tema desta rubrica). Para além da data da sua própria realização fica informação útil para o futuro de quem se possa interessar por estas associações para a manutenção da agricultura de proximidade (AMAP). Veja ainda aqui outras informações sobre esta atividade.
1º Encontro Nacional – Porto, 29 de Novembro
AMAP – Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade
(ou CSA em inglês, Community Supported Agriculture)
A associação Moving Cause convida consumidores, produtores e colectivos de todo o país a participar no primeiro Encontro Nacional das AMAP – Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade (ou CSA em inglês, Community Supported Agriculture).
A convite da rede internacional de agricultura apoiada pela comunidade, URGENCI, em Setembro participamos no Encontro Europeu para as AMAP em Berlim, no âmbito do Congresso de Economia Solidária e Transformação, onde foi escrita colectivamente uma Carta Europeia de Princípios para as AMAP.
Em Portugal este modelo alternativo de relação entre consumidores e produtor é ainda desconhecido do público, mas alguns novos produtores, assim como redes, organizações e colectivos demonstraram já grande interesse no desenvolvimento deste conceito. Com este encontro lançamos o desafio para a criação de uma dinâmica de âmbito nacional com o objectivo de promover, desenvolver e implementar o modelo das AMAP em Portugal.
Segundo a nova definição, AMAP/CSA define-se assim: «AMAP/CSA é uma parceria direta, baseada na relação humana entre o grupo de consumidores e um ou mais produtores, onde os riscos, responsabilidades e recompensas da produção agrícola são partilhadas, através do estabelecimento de uma ligação de longa duração.»
OBJECTIVOS DO ENCONTRO
Apresentação do modelo socioeconómico AMAP – nova relação entre produtor e consumidores
Apresentação e discussão da Declaração Europeia para as AMAP
Apresentação de Metodologia para a criação de grupos de consumidores AMAP
Lançamento das bases para a criação da rede nacional das AMAP
Conhecer outras iniciativas e experiências no país
Condições:
– O número de participantes é limitado a 40 pessoas
– O evento é gratuito à exceção do almoço
– Almoço: € 10,00 (máximo)*
* O valor do almoço ainda não é definitivo, mas nunca será superior a € 10,00. Estamos a tratar de
encontrar solução o mais económica possível.
CONTACTOS:
mail: amap@movingcause.org
tlmv: 919023458
ENTRE NO DEBATE!
Recebemos já alguns comentários sobre o artigo «Movimento Pegada Alimentar», que pode ler mais abaixo. A seguir uma síntese desses comentários e da nossa resposta ou reação a eles. Entre também no debate!
Setembro 2015, 16
Sara Rocha dá notícias de Coimbra (em 9 de setembro de 2015): grata pela partilha deste documento, será muito útil para apoiar algumas discussões habituais sobre o papel decisivo do consumidor na viragem do rumo atual. Em Coimbra existe o Mercadinho do Botânico, iniciativa que integra vários produtores de concelhos vizinhos que desenvolvem agricultura biológica e/ou sustentável. Inclusivamente, há quem faça pão com cereais próprios (coisa ainda mais rara num país que planta tanto milho de origem duvidosa)! Existe também um grupo informal que semanalmente se junta para receber alimentos dos mesmos produtores e distribuir em cabazes. Relativamente à feira franca, sabem se essa figura jurídica está ao abrigo da nova lei sobre pequenos produtores e artesãos?
Tal como dissemos a propósito da pergunta de Ana Faria (ver abaixo), aguardamos que alguém nos possa informar sobre a questão das feiras francas e sobre as incidências legislativas para os pequenos produtores de alimentos.
José Paulo, no mesmo dia, comenta: a globalização nasceu por aqui (Península Ibérica, mesmo que com capitais italianos) para o bem e para o mal. Temos a responsabilidade de agora impulsionar o fenómeno de localização (ecologia + economia + tecnologia + democracia) para o bem de todos.
Setembro 2015, 9
Ana Faria pergunta-nos se seria possível incluir na nossa proposta a ideia da realização de feiras francas locais onde os produtores pudessem mostrar e vender os seus produtos nas suas localidades. Cremos que seria uma excelente ideia. Em parte, é já o que acontece no mercadinho do Parque da Cidade (Aldoar, no Porto), em Penafiel, e, pelo menos há poucos anos, acontecia em Vila do Conde, nos três casos com apoio dos respetivos municípios. Quem pode contribuir com informações mais precisas? Provavelmente, muito dependerá de, em cada local, em cada concelho, surgirem dois ou três agricultores ou produtores que se reúnam para criar essa feira. A ideia do selo seria precisamente evitar que esses mercadinhos se transformassem em locais de venda de produtos importados ou fornecidos por grandes «abastecedores».
João Luís Roseira considera que todos estes produtos carecem de rotulagem e por isso deverá providenciar-se que seja autêntica (para credibilizar o produto e produtor), no sentido de ser claro o local, produtor e prazo de validade. Depois, poder-se-á pensar em campanha de divulgação dos locais de venda onde tais produtos são colocados. Concordamos, claro, a ideia era mesmo essa, através da instituição (município ou associação prestigiada, ou outra entidade equivalente) que patrocinasse um selo de alimento local. Sabe-se que, para pequenos produtores, o processo de certificação, por exemplo na agricultura biológica, é um encargo pesado, que afasta alguns da comercialização dos seus produtos. No caso de selos de produtos locais, e visto que o que se pretenderia, entre outras finalidades, seria precisamente incentivar os pequenos agricultores, o processo de certificação teria que ser o mais leve e o mais barato possível, ou mesmo gratuito – até porque, no âmbito local, é mais fácil estabelecer relações de confiança, desde que exista um mecanismo preventivo da fraude. Como cada caso seria um caso, caberia em cada caso encontrar a melhor solução.
João Barrote aponta o diminuto caráter local e mesmo nacional dos produtos biológicos vendidos entre nós, até mesmo em feiras e mercados. Põe a hipótese de existirem em Portugal montantes elevados de subsídios para a agricultura biológica sem que a isso corresponda uma produção nacional significativa, o que seria a seu ver um desperdício deplorável. Pois é isso mesmo que um movimento de opinião e ação para diminuir a pegada alimentar se proporia evitar e combater…
Luís Chambel designa o nosso humilde documento como precioso: «já fiz uma primeira leitura e parece-me que vale mesmo a pena lutar pela divulgação (e aplicação do conceito).» Vamos a isso!
MOVIMENTO PEGADA ALIMENTAR
Para quê?
Para multiplicar o número de pessoas e entidades que optam por alimentos produzidos localmente de modo sustentável e que colaboram entre si para aumentar, apoiando-os, o número dos que produzem e transformam alimentos localmente. Movimento informal em que cada pessoa ou entidade pode ter as iniciativas que entender.
Que se entende por «localmente»?
Idealmente: alimentos provenientes de um raio até 50km do local onde são habitualmente consumidos.
Como recurso: aproxima-se do mesmo objetivo quem, não dispondo de um alimento determinado até esse raio, opte pelo alimento que percorre menor número de quilómetros (quilómetros «alimentares») até ao local onde o vai adquirir/consumir, em condições de resto semelhantes relativamente a outros aspetos da sustentabilidade.
Que meios para esse fim?
* Pôr em contacto produtores e consumidores locais de alimentos produzidos de modo sustentável (pela agricultura biológica, orgânica, ecológica, natural, agroecológica, ou, na impossibilidade de dispor destes modos de produção para um determinado produto e em determinado momento, produzidos com o mais baixo insumo de energia fóssil, incluindo no que se refere a adubos químicos de síntese, pesticidas e herbicidas de síntese, bem assim como a mais reduzida aplicação destes últimos possível).
*Procurar e disponibilizar informação que permita ao consumidor interessado saber onde e como pode obter alimentos produzidos localmente, e ao produtor situar consumidores locais potencialmente interessados nos seus produtos.
* Divulgar e apoiar formas de incentivo económico e financeiro aos produtores locais, como as AMAC ou AMAP ou AMAR (Associações para a Manutenção da Agricultura Camponesa ou de Proximidade ou Rural), a AAC (Agricultura Apoiada pela Comunidade, em inglês CSA – Community Supported Agriculture), e outras formas de apoio.
Selos «alimentos locais»
* Incentivar a criação de selos que atestem o caráter local de determinado alimento pode ser uma forma especialmente eficaz de fazer irradiar o movimento pegada alimentar.
* A emissão de tais selos, e a atestação da sua veracidade, poderia ser iniciativa de municípios ou de associações locais prestigiadas. Do selo poderia constar o nome do local de produção (se a emissão fosse de um município, o nome do município), em destaque, e, em segundo plano, a distância em km entre esse local e algumas das povoações mais próximas, num raio de 50 km, ou mesmo algumas das cidades mais populosas até e para além desse limite. Poderia incluir-se um lema do tipo «Preferindo alimentos locais contribui para diminuir a sua pegada alimentar e portanto a sua pegada ecológica» ou «Optando por alimentos locais, apoia a agricultura sustentável», ou semelhante.
* O concelho de Penafiel emite (ou emitia) um selo desse tipo, podendo a análise desse exemplo servir de ponto de partida para a reprodução de iniciativas semelhantes. Quem tem informações mais precisas que possa partilhar aqui?
* Complementarmente ao selo anexo ao produto, poderão emitir-se autocolantes destinados aos locais onde esses produtos podem ser adquiridos, com informação do tipo: «Vendem-se aqui alimentos locais produzidos em … » (nome da localidade ou localidades, município ou municípios, sendo que, neste caso, só faria sentido se as localidades indicadas se situassem até 50km, com tolerância até 10 ou 20km mais, do ponto de venda). O aviso deveria conter uma miniatura do selo ou selos que identificam os produtos em causa.
Porquê pegada alimentar?
O conceito de pegada alimentar pretende exprimir o aspeto da pegada ecológica especialmente relacionado com a alimentação, ou parte dele. Quanto mais próximo for o local de produção, menor terá sido o número de quilómetros percorrido pelos alimentos, menor portanto o consumo energético utilizado no transporte. Se a isso juntarmos a opção por modos de produção sustentável, ou pelo menos um esforço para diminuir a insustentabilidade de alguns deles, teríamos um resultado não desprezível em termos de impacto ecológico menos intenso, por um lado, de apoio à economia local, em especial à agricultura e às atividades de transformação simples (pão, picles, compotas, sumos, massas, tofu, queijo, manteiga, etc), por outro lado.
Um paradoxo: importar produtos da agricultura biológica
* Exceto nas regiões fronteiriças (em Portugal, apenas com a Espanha…), onde isso pode não ser verdade, é normalmente «mais local» um alimento produzido em Portugal, seja onde for, do que um alimento importado. Talvez possa não ser o caso de alguns produtos importados da Galiza para o Alto Minho, ou da Extremadura espanhola para a raia portuguesa até Castelo Branco ou Évora, casos em que, havendo um produto não português produzido de forma sustentável pode justificar-se a preferência caso se não encontre produto português a não ser da agricultura convencional química.
No entanto, quem em Portugal opta pelas formas de agricultura biológicas, biodinâmicas ou ecológicas, por uma questão de saúde (de quem consome os alimentos e do próprio ambiente), pode ver-se perante um dilema: sendo grande parte dos produtos biológicos ou equivalentes transformados inexistentes em Portugal, quem quiser alimentar-se integralmente ou quase integralmente de produtos desses é forçado a consumir uma percentagem importante de produtos importados. O que entra em conflito com a preocupação que esses consumidores também muitas vezes têm de reduzir os quilómetros alimentares, a parte da sua pegada alimentar relativa ao transporte de alimentos.
A solução desse problema só pode encontrar-se no aumento de produtos transformados produzidos em Portugal, o que por sua vez depende do aumento do número de consumidores de alimentos biológicos ou ecológicos. Circuito fechado ou quadratura do círculo, pescadinha de rabo na boca, é no entanto muito importante que consumidores e produtores se concertem para dar passos, ainda que de início pequeninos passos, para superar a atual situação «esquizofrénica» de não poucos consumidores ecologicamente conscientes.
Pegada ecológica na origem da pegada alimentar
Podemos definir pegada ecológica como a área necessária para suprir as necessidades de uma pessoa, região ou país. Inclui tanto os recursos utilizados (matérias primas, recursos naturais, água, energia) como a regeneração da poluição gerada nessa utilização (incluindo tratamento de resíduos e outros impactos).
Estamos num sistema económico que vive de indicadores como o PIB que o pensamento e o movimento ecológicos já criticaram, desde os anos 1960 e 1970, como não tendo correspondência com a economia real, em última análise, que é a ecologia. Daí vivermos também numa sociedade do desperdício e do falso desenvolvimento confundido com o crescimento meramente numérico de indicadores macro-económicos que não têm em conta nem a realidade dos recursos naturais, do seu estado e do seu valor, nem valores éticos e sociais.
O conceito de pegada ecológica surgiu precisamente para dar outra ideia, mais verdadeira, do estado real da nossa ecologia/economia, isto é, do que uma pessoa ou um país realmente gastam em recursos para manter o atual sistema. É claro que, tal como acontece com o PIB, o valor numérico da pegada ecológica é um valor médio per capita (ou por sociedade ou país) e, sem mais, oculta o facto de que ela é variável conforme os rendimentos monetários de cada qual. Normalmente, quanto mais elevados são os rendimentos financeiros de uma pessoa maior é a sua pegada ecológica. Esta reflexão, que vem sendo feita e desenvolvida desde há pouco mais de duas décadas (embora existisse já antes sob outras formas), ajuda os que querem reduzir o impacto negativo do seu estilo de vida sobre a natureza a orientarem os seus consumos da forma menos nefasta possível. Nela se enquadra também a questão da pegada alimentar.
ALIMENTOS KILOMÉTRICOS
Um documento muito útil para perspetivar a questão da pegada alimentar foi editado pela organização não governamental Amigos de la Tierra España, membro dos famosos Friends of the Earth International. Com o título Alimentos kilométricos e o subtítulo Las emisiones de CO2 por la importación de alimentos al Estado español, apresenta resumidamente os resultados de uma investigação sobre o impacto em emissões de carbono resultantes da importação de produtos alimentares no período 1995-2007. Desconhecemos se existe uma investigação do mesmo tipo relativa a Portugal, mas seria um excelente tema para uma tese de doutoramento… Mãos à obra, Senhores Doutores! O estudo completo dos Amigos de la Tierra pode ser consultado em
https://economiaecoloxica.uvigo.es/
ou
https://www.ecoecoes.es/
A edição impressa poder ser consultada na biblioteca da Campo Aberto, a partir de 1 de setembro no novo horário de atendimento ao público.
Adorei a ideia e o documento parece-me muito bem estruturado! Seria possível incluir a ideia da realização de feiras francas locais onde os produtores pudessem mostrar e vender os seus produtos nas suas localidades, ou tal conceito é demasiado inviável devido às leis?
Muito obrigada, vou partilhar este documento! 🙁
Obrigado pelo envio da informação, cujo conteúdo considero muito bom.Penso que todos estes produtos carecem de rotulagem e logo deverá providenciar-se que seja autêntica (para credibilizar o produto e produtor), no sentido de ser claro o local, produtor e prazo de validade. Depois, poder-se-á pensar em campanha de divulgação dos locais de venda onde tais produtos são colocados.
Um abraço
João Luís Roseira
Brilhante!
A quem tenha redigido esta apresentação – quase exaustiva!!! – do tema, felicitações e muitas!…
pertinente e premente refletir-se sobre esta questão básica, elementar, associada ao consumo alimentar. Em particular, os consumidores de produtos bio… Nesta altura, no Porto, nenhuma das bancas no mercado de Sábado no Parque da Cidade tem cenouras de cultivo próprio ou de produtores nacionais. No Pingo Doce as cenouras, as cebolas vêm todas da Holanda.
João Barrote