SÉRIE AS POLUIÇÕES SILENCIADAS
Colocado em final de abril de 2019
Poluição Luminosa
Em série iniciada em 25-04-2019, As Poluições Silenciadas, começamos com esta nova rubrica, Poluição Luminosa, através de um artigo escrito expressamente para este espaço digital por Raul Cerveira Lima, Professor na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto e investigador do CITEUC – Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra.
Outras formas de poluição mal conhecidas do grande público, como a poluição eletromagnética, a radiatividade emitida por fontes de baixa intensidade, os perturbadores endócrinos, a mineração a céu aberto ou pelo fracking, etc, irão sendo analisadas à medida das nossas possibilidades.
Alguns elementos anteriormente aqui colocados sobre o tema remontam a 2010 (Campanha Globe at Night), a 2011 (tertúlia sob o título Voltar a Ver as Estrelas) e a 2018 (tertúlia sob o título Qualidade do Céu e da Noite), as duas últimas asseguradas por Raul Cerveira Lima a nosso convite. As fotografias neste artigo são igualmente de sua autoria.
Os títulos intercalares são da responsabilidade da Campo Aberto.
LUZ A RODOS NÃO É BOA LUZ
A poluição luminosa preenche cada vez mais a paisagem crepuscular e nocturna. Silenciosamente. Os candeeiros de iluminação pública, os painéis publicitários, a iluminação cénica, as montras, as luzes à porta de casa acesas indiscriminadamente toda a noite, não só ofuscam quem por perto passa como contribuem para a dispersão da luz na atmosfera e consequente aumento do brilho difuso do céu, sobrepondo-se à ténue luz das estrelas, planetas ou nebulosas. Que nenhum cidadão em Portugal continental viva hoje sob um céu livre de poluição luminosa deveria dar que pensar. Sim, nem mesmo no interior do país. A luz produzida nos centros urbanos propaga-se pela atmosfera dezenas a centenas de quilómetros e chega aos céus dos locais mais remotos. O melhor céu de hoje do Alentejo, de Trás-os-Montes, do Alto Minho ou das Beiras é pior do que já alguma vez foi.
Há hábitos que não deveriam existir e que só por distração, desconhecimento ou inércia não se combatem mais. A habituação a atmosferas poluídas, ao ruído, a águas contaminadas. É hábito também – salvo associações, cientistas ou cidadãos mais atentos – dar conta de que esses hábitos são prejudiciais quando é já demasiado tarde ou quando os danos estão no limiar da reversibilidade (vide a extinção de espécies ou as alterações climáticas). Também muitos se habituaram à contaminação pela luz. Em poucas décadas – não, a luz à noite não está desde sempre entre nós, muito menos na quantidade exagerada e preocupante com que a temos hoje – deixou-se de se conseguir prescindir dela à noite. Associa-se a quantidade de luz à qualidade de vida e, de forma empírica, à segurança, associação esta que a Ciência não confirma, pelo contrário. O excesso de luz está, porém, a desequilibrar ecossistemas, a consumir energia (e o que interessa se esta é renovável se aumentamos sempre o consumo?), a impedir-nos de contemplar o céu, de sentir a noite e a Natureza como elas são. Provavelmente a pôr em causa a saúde pública, se tivermos em conta o acumular de estudos recentes que revelam a importância do escuro à noite e da manutenção dos nossos ritmos circadianos.
RARIDADE À NOITE DA LUZ NATURAL
A luz à noite não existe na Natureza a não ser em ínfimas quantidades: as estrelas, a Via Láctea, a Lua, a luz zodiacal, as auroras. Tão ínfimas que muitas espécies de aves, insectos, mamíferos, peixes, entre muitos outros seres vivos, necessitam, há milhões de anos, da escuridão para se poderem alimentar, reproduzir ou orientar por aqueles ténues luzeiros. Mesmo a Lua, que desconhecedores produtores de luz artificial comparam à luz dos candeeiros que promovem, não só é cíclica e variável ao longo dos dias como agora se torna quase impercetível e irrelevante pela emissão de luz do topo da floresta de betão e metal dos candeeiros. Debaixo de um simples candeeiro de rua recebemos cem, duzentas, quatrocentas ou mais vezes luz do que da Lua.
É urgente, por exemplo, desmistificar a ideia de que os LED (em particular, os brancos) são ecológicos. Não são. A sua maior eficiência veio acompanhada de um maior consumo e da utilização de mais luz, incluindo em locais onde ela não existia (na sequência contemporânea do famoso paradoxo descrito por William Stanley Jevons em 1865 relativo ao consumo de carvão). E os impactos da sua luz são muito maiores do que de outras fontes de luz alternativas (como os LED pc-âmbar, por exemplo). É urgente iluminar menos e bem, ou seja, apenas quando e onde estritamente necessário, com fontes de luz com menor impacto quer ambiental quer no brilho artificial do céu. É urgente que os municípios parem de instalar ou substituir iluminação informados apenas pelas empresas e não olhando para os dados da Ciência. É, por fim, urgente que surja regulamentação, à semelhança do que acontece noutros países. Para que, iluminando bem, possamos volta a contemplar a Via Láctea de onde entretanto desapareceu.
Muito bem
Concordo em tudo. O Homem distancia-se cada vez mais do mundo natural e esta questão da poluição luminosa é mais do que pertinente. Lembro-me de observar o Céu e interrogar-me sobre esse grande mistério que é o Universo. O Planalto de Castro Laboreiro onde eu subia frequentemente para observar os astros era o meu local de eleição…até surgirem as eólicas. Que pena me faz tudo isto!
Miguel Pimenta
Boa iniciativa, esta!
Parabéns ao Raúl por abordar estes temas
Brandão Pedro
Seria bom atentar na iluminação irresponsável e excessiva das nossas estradas e autoestradas. Quando uma boa iluminação com base na sinalética reflectora (com manutenção)seria muito mais económica, discreta e eficaz. Também a iluminação urbana não obedece a nenhumas regras de bom senso e economia.
Um site interessante sobre poluição luminosa:
https://www.darksky.org/