Ver: abate de plátanos em Viana do Castelo, Cabedelo
Inverno 2021
ENTRE DENDROCLASTIA E DENDROFILIA
ENTRE ÓDIO E AMOR À ÁRVORE
Colocado em 25 de outubro de 2020
Em memória de Joaquim Vieira Natividade
Esta rubrica pretende registar sucintamente episódios de mau e de bom tratamento de árvores ornamentais ou protegidas, ou que despertam interrogações sobre a forma como em Portugal, mal ou bem, se lida com a presença dessas árvores na nossa paisagem urbana e não urbana.
São casos que vão chegando ao Grupo Árvores da Campo Aberto, que agradece quaisquer complementos de informação que nos queiram enviar sobre esses ou outros casos (contacto@campoaberto.pt).
Quanto às espécies ditas «florestais» e às arborizações de finalidade primariamente produtiva ou económica, veja-se a Aliança pela Floresta Autóctone, que a Campo Aberto subscreve e apoia.
A rubrica é dedicada ao agrónomo português Joaquim Vieira Natividade, que apontou a dificuldade de, em Portugal, os responsáveis públicos e mesmo boa parte da população, compreenderem a necessidade da presença da árvore e agirem com gratidão, admiração e respeito para com ela. Em artigo dedicado às flores, Vieira Natividade fala de «jornada a um mundo de beleza eterna». Estamos certos que aprovaria a mesma designação aplicada às árvores.
Índice
Pinhal de Aldoar (Porto) (17 de junho de 2021)
Bairro Alto (Lisboa) (17 de junho de 2021)
Asprela (Porto)
Monte da Virgem (Vila Nova de Gaia)
Cabedelo (Viana do Castelo) (última atualização:17 de junho de 2021)
Corujeira (Porto)
Rua 19 (Espinho)
Praça Machado dos Santos (Valongo)
Bairro dos Pescadores (Póvoa de Varzim)
De Ota a Alenquer (no IC2)
Mata dos Medos (Costa da Caparica)
PINHAL DE ALDOAR (PORTO)
Um menino de dez anos, o Rodrigo, gostava de brincar no Pinhal de Aldoar, no Porto, perto de sua casa, quase todos os dias. No fim de março de 2021, verificou com espanto que tinha sido abatida boa parte dos pinheiros. «Fiquei triste, porque era um sítio onde eu gostava de estar, e era muito bonito». Em casa, fechou-se no escritório dos pais, e pôs-se a escrever em folhas de papel destinadas a serem colocadas à vista dos passantes: O pinhal é importante, numa. Não cortem o minipulmão de Aldoar, noutra. Por intermédio dos pais, o episódio chegou às redes sociais, onde se reconheceu nesse gesto uma lição de cidadania. No jornal que o noticiou (Público, Local Porto, de 4 de abril de 2021), diz-se também que a Câmara do Porto não tinha autorizado o abate e estava a averiguar as circunstâncias em que ocorreu. Desde então, não nos apercebemos que a averiguação tivesse chegado a alguma conclusão. Nem se o Rodrigo se conformou com a sua mágoa.
BAIRRO ALTO (LISBOA)
É bom de vez em quando saudar uma iniciativa positiva. Num plano de «requalificação» do Bairro Alto que a Câmara Municipal de Lisboa vai lançar a debate, prevê-se a plantação de árvores pequenas e/ou de trepadeiras, o que se justifica dado o predomínio de ruas estreitas. Explica-se por isso que vislumbrar a existência de árvores nos passeios das ruas desse bairro, ao longo de cinco séculos, tenha sido uma raridade ou mesmo uma impossibilidade. A plantação de árvores pequenas é prevista para zonas mais largas, facilitadas por criação de faixas de alargamento dos passeios e redução da velocidade em todos os eixos de circulação, ou em ruas mais generosas como a Rua Luz Soriano ou a Travessa da Espera (segunfo o jornal Público de 16 de junho de 2021).
Será talvez sinal de que se tenta na CML começar a corrigir o erro que foi entregar às juntas de freguesia a competência relativa a arborização, incluindo poda, sem primeiro lhes ter proporcionado sólida formação na matéria e que suscitou abates e podas inqualificáveis, acompanhadas de não poucos protestos públicos e denúncias.
ASPRELA (PORTO)
Uma denúncia recebida pela Campo Aberto levou-nos a chamar a atenção publicamente sobre uma autorização de abate de 31 sobreiros na Asprela, Porto, perto do Polo Universitário. Dedicámos a esse assunto um artigo próprio, onde se podem ver pormenores. A denúncia conduziu a uma comunicação que nos foi feita pelo Vereador do Ambiente e pelo Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, na qual afirmavam desconhecer a autorização de abate dada pela Secretaria de Estado da Conservação da Natureza, da Biodiversidade e das Florestas (!) e se comprometiam a tentar evitar esses abates e a propor um acordo nesse sentido ao promotor da obra que os iria abater. Em telefonema posterior, de iniciativa do Vereador do Ambiente, este informou-nos que estava esperançado em conseguir evitar o abate de 27 ou mesmo 29 desses sobreiros. Entretanto apesar de algumads diligências nossas, não obtivemos mais nenhuma informação.
MONTE DA VIRGEM (VILA NOVA DE GAIA)
A empresa Metro do Porto S. A. está determinada a abater 503 sobreiros, espécie protegida, no concelho de Gaia, a pretexto da extensão da linha Amarela do Metro. Os abates estão previstos em dois habitats, um deles no Monte da Virgem, esse, alvo de proteção especial. Quatro associações do Porto interpelaram a empresa, e diversas outras entidades corresponsáveis, com vista a tentar evitar esses abates. O assunto está tratado em artigo próprio no nosso espaço digital.
DA OTA A ALENQUER (IC2)
Abateram os pinheiros-mansos do IC2
Enormes e frondosos, sombreando quem lá passava, aconchegando condutores e passageiros, esverdeando a paisagem. Um reduto de alegria em terras azafamadas. Prosperaram, incautos, livres da ira humana (seculares, dizem). Estes foram os afortunados – o normal é sucumbirem mais cedo ao zelo da moto-serra, pois as árvores são sempre culpadas até prova em contrário. Não há motivo de queixa, existe ainda a esperança de que outros, mais pequenos, possam vir ser plantados. Aliás, foi por uma boa causa. Sim, os pinheiros caíram que nem mártires! As copas cresceram desmesuradamente, gananciosas, e seriam pasto fácil para as chamas. Chamas que enfrentarão barreira agora inultrapassável, essa do IC2, e se deterão disciplinadas num dos sentidos. Foi tudo justificado. Os pinheiros centenários vão salvar os jovens eucaliptos que abundam nas redondezas. Vivemos confinados, amargurados com a incerteza, e a copa majestosa destas árvores já lá não estará para nos confortar. Recusei-me a acreditar. [Crónica de Nuno Quental]
CABEDELO, VIANA DO CASTELO
Um conjunto de plátanos no Cabedelo, Viana do Castelo (segundo o Jornal de Notícias de 15 de setembro de 2020), numa belíssima avenida, encontra-se ameaçado de abate para obras que, segundo o presidente da autarquia, são de relevante interesse público. É-lhe atribuída nessa notícia esta extraordinária declaração: «Falamos de plátanos que a JAE [a antiga Junta Autónoma das Estradas, da época salazarista] plantava quando construía estradas nacionais, sem valor ambiental». Os moradores têm outra opinião, e pretendiam evitar o corte de um número significativo de árvores. Informam que «existe um pedido [no] ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas para classificar o arvoredo [como] de Interesse Público, pela sua idade, porte e enquadramento paisagístico». Por isso, foi interposto um embargo extrajudicial, que conseguiu adiar o abate. Posteriormente, a associação de moradores do Cabedelo negociou com a autarquia, e teria aceite o abate de algumas dezenas de plátanos, mediante a promessa de algumas obras de beneficiação local, como a reparação de passeios. Outros moradores de Viana persistem em tentar salvar os plátanos e interpuseram uma providência cautelar.
Colocado em 11 de abril de 2021
Infelizmente, a providência cautelar foi torneada por manobras administrativas e burocráticas de autarcas de Viana do Castelo. O episódio, se revela a enorma vaga arboricida que grassa pelo país, revelou também resistências e abriu caminho a congregação de resistências, que vão assumindo diversas formas, inclusive ao nível de propostas legislativas. Há mudanças urgentes a fazer nesse domínio e, tal como aconteceu com os animais, também as árvores acabarão um dia, talvez não tão longínquo, embora de maneira específica ao seu caso de seres vegetais com uma relação ainda mais complexa com a humanidade que os animais, por deixarem de ser consideradas coisas inertes.
Compare-se a foto de abertura deste artigo com as fotos seguintes, que documentam a violência com que foi efetuada a razia da alameda de plátanos no Cabedelo (Viana do Castelo).
Cabedelo (Viana do Castelo)
Colocado em 17 de junho de 2021
Depois do abate da magnífica alameda de plátanos que referimos acima, o jornal Público (Local redação do Porto, 15 de abril de 2021) noticiou que a autarquia está a promover uma iniciativa cidadã para posterior classificação municipal do arvoredo do concelho. Diz ainda que os plátanos do Cabedelo, alvo de polémica no ano passado, vão ser protegido; os que sobraram, entende-se. Será isto uma iniciativa louvável do Vereador do Ambiente, Ricardo Jorge Carvalhido, pesaroso pelo que fez à referida alameda o executivo municipal que integra? Ou será o executivo inteiro que ficou pesaroso? É intrigante que o Vereador do Pelouro do Ambiente e Biodiversidade, Ciência, Inovação, Conhecimento e Projetos Educativos não tivesse podido opor-se aos abates ou, se se opôs, tal não tivesse sido conhecido; e nem com esta iniciativa fica claro. E a classificação de árvores a nível municipal, que lançou, irá servir efetivamente para proteger as árvores em geral ou será uma forma de encontrar uma justificação para futuros abates de árvores que não venham a ser classificadas? Diz a notícia que estava a ser preparado um regulamento de classificação para a escolha das árvores ou conjuntos de árvores que vão merecer a proteção do município. Será que as restantes árvores ficarão ainda mais expostas a maus tratos, já que não terão «merecido» tal classificação? Nós entendemos a classificação de árvores de interesse público como um incentivo à proteção de todas as árvores e a uma transformação da cultura anti-árvore que grassa no país. Mas virá a ausência de proteção das árvores «desmerecedoras» a ser usada como justificação para o seu abate? Já temos visto invocar tal pretexto em outras ocasiões, por parte de entidades que se dizem amigas do ambiente e muito verdes… ou até oficialmente encarregadas dadefesa desse património. Como se, não sendo permitido demolir a Torre dos Clérigos, fosse permitido demolir uma mais modesta mas representativa moradia de Art Déco ou de Arte Nova ou de qualquer outro período por ter tido a infelicidade de não ser classificada. Sabemos aliás que, mesmo quando classificado, o nosso património natural e construído está sujeito a ser maltratado, bastando para isso uma «declaração de interesse público» (duvidoso) e às vezes nem isso.
CORUJEIRA (PORTO)
Um concurso de ideias para a renovação da Praça da Corujeira, no Porto, atribuiu o prémio ao ateliê Miguel Melo Arquitetura, de Guimarães. Embora um concurso de ideias não tenha em geral caráter vinculativo, e segundo o JN de 18 de outubro de 2020, a Câmara do Porto teria considerado o projeto como um «dos projetos estruturantes da estratégia da alavancagem da reabilitação urbana e transformação desta área da cidade». Ao que parece, o projeto resulta indiretamente da URBiNAT Porto e seu projeto de um Corredor Saudável, iniciativa com aspetos interessantes no domínio cultural, social, urbanístico e ambiental. No caso concreto deste projeto, é positivo que parta da manutenção e conservação dos plátanos (espécie ornamental «clássica»e nobre, atualmente objeto de uma sanha inexplicável por parte de várias autarquias). No entanto, a ideia de um percurso denominado Sky Garden a ligar o topo das árvores concebido como um parque de arborismo, e ainda um bar elevado ao nível das copas, suscitam a interrogação: terão os projetistas pensado na repercussão sobre as aves que aí se acolhem e nidificam? Será indispensável que, antes do facto consumado, pensem bem nisso, e também no eventual impacto da iluminação e ruído.
RUA 19 (ESPINHO)
O abate de várias árvores numa das principais artérias de Espinho despertou o protesto silencioso de residentes (JN de 28 de setembro de 2020): vários troncos de árvores cortadas foram colocados em frente ao edifício camarário. A justificação da câmara está na reabilitação da artéria reconhecida como necessária pelos moradores, ao contrária da retirada das árvores, que é contestada. A construção de uma ciclovia é outra das justificações, um aparente paradoxo, o de invocar melhorias ambientais ao mesmo tempo que se abatem árvores que são o mais nobre elemento do ambiente urbano. Como habitualmente nestes casos, é pretextado o interesse público, o estado fitossanitário das árvores e a substituição por outras, como se árvores em estado adulto pudessem ser substituídas do pé para a mão.
PRAÇA MACHADO DOS SANTOS (VALONGO)
Com forte desagrado dos moradores (JN de 9 de setembro de 2020), alterações radicais na praça referida (de que se mostra na notícia, datada de 1950, uma imagem de arvoredo em formação compacta, já muito empobrecida numa foto de 1970), causadas por obras da câmara que, além de outros aspetos, passaram pelo arranque de árvores. Dez, diz o município, mas outras dez foram plantadas – a explicação habitual. As árvores foram retiradas «porque estavam nos corredores de circulação pedonal e impediam que fosse feita a reformulação da via». É conhecido que as árvores têm o desplante de se colocarem onde estorvam as obras.
BAIRRO DOS PESCADORES (PÓVOA DE VARZIM)
Curiosamente, ao lado da notícia anterior, vem outra sobre esse Bairro. Aí, as canalizações parecem causar graves problemas. Uma moradora aprova: «Tínhamos árvores que estavam a esburacar as ruas. A câmara tirou-as […] e está tudo limpinho». Por toda a parte no país, a convivência das obras públicas com as árvores plantadas pelos nossos ascendentes provoca este tipo de reação. E não será que os srviços de obras não souberam prever e prevenir estas situações de conflito de modo a evitar tanto os danos às árvores como os danos às infraestruturas utilitárias?
MATA DOS MEDOS (COSTA DA CAPARICA)
Uma carta de um leitor surpreendido (no jornal Público, 10 de outubro de 2020) e logo a seguir uma denúncia que remonta a 2008 sobre projetos de destruição no mesmo local motivada pela construção da ER-377-2. Não sabemos se chegou a consumar-se. Se o foi, e apesar de cerca de 25 hectares que em 2008 teriam sido retirados à Mata, desta vez terá sido mais um ataque e provavelmente não será o último enquanto sobrar mata. Dada a carta a seguir inserida, da investida de 2008 ainda terá sobrado muito.
A carta
A Mata Nacional dos Medos é um pulmão verde situado na Margem Sul, abrangendo Caparica e Fonte da Telha. Tem 340 hectares, com pinheiro manso e bravo, arbustos, aroeiras, medronhos, rosmaninhos, tomilhos, águias, mochos, corvos, corujas, texugos, coelhos, ouriços, raposas e cobras. A Mata tem caminhos de areia e terra, abertos por intervenção humana e bem inseridos na paisagem. São percorridos por desportistas e famílias que pretendem desfrutar desta mata e dos miradouros situados no topo das falésias com vista espectacular sobre o oceano.
Há poucos dias uma parte da mata foi invadida por máquinas trituradoras que abateram centenas de árvores, mataram e afugentaram animais, deixando um rasto de destruição. Nos caminhos ao dispor dos visitantes, ficaram pequenos troncos, bem como galhos suspensos nas árvores em risco de caírem, tornando insegura a ida a este local.
Desconhecendo os munícipes o objectivo desta destruição permite-se a congeminação. Será construído mais um bairro social onde não poderá faltar a visão para uma paisagem única, através do acesso directo que aí terão os futuros moradores aos miradouros? O abate justificou-se pela necessidade de madeira para a construção de mais casas na propriedade privada que existe dentro da mata? Porém, seja pelo que for, merece a indignação dos que frequentam o saudável espaço público, autêntico pulmão agora atacado por um certo covid autárquico. Há pois que nos opormos sem tibiezas, sem medos. Aristides Teixeira
Em 10 de março de 2008, o Núcleo de Setúbal da Quercus divulgou em 2008 o seguinte comunicado:
Em Defesa da Mata dos Medos
Sabia que vai ser destruída uma área de cerca de 25ha, onde serão abatidos centenas de pinheiros mansos com mais de duas centenas de anos, numa zona da Mata dos Medos das mais bem preservadas e ecológicamente sustendada, para construírem um troço de estrada-ER 377-2!?
Sabia que ao construir esse novo troço de estrada ficará desanexada da Reserva Botânica da Mata Nacional dos Medos mais uma área de mata com cerca de 24,5ha? Que futuro para esta mata remanescente? Para aí, o PDM de Almada define «Espaços Urbanizáveis»! Estamos então a falar num total de cerca de 5ha! Que estes terrenos são considerados de permeabilidade máxima, solos de dunas consolidadas pela vegetação, de elevada sensibilidade ecológica, por isso classificadas e pertencentes à Reserva Ecológica Nacional?
Que a nova estrada neste troço apresenta o mesmo traçado que a anterior Via Turística vetada em 2000 pelo ICN? Que existe uma outra solução que passa na estrada atual, e atravessa zonas de pinhal muito mais recentes e degradadas? Logo menos destruição da Mata e melhor planeamento. Porquê estragar mais ecossistemas? Desafetar, retalhar e destruir mais a Mata dos Medos? A integridade da Mata dos Medos depende de nós. Contamos consigo para impedir esta destruição da Mata dos Medos.
Pela defesa da natureza. Pela defesa das árvores e de tudo o que é belo.
Podemos ajudar a acrescentar mais “assassinatos” arbóreos promovidos pelos “defensores” da natureza:
CASA DE SERRALVES
Abate de 13 sobreiros para dar espaço para construir a ampliação do Museu.
CIDADE DA MAIA
Abate de 147 sobreiros de elevado valor ecológico para dar espaço para executar a Via periférica Sul-Poente da cidade.
E de certeza muitos mais exemplos desta fatal realidade devem existir.
Denunciemos e ajudemos a aumentar esta lista