ÍNDICE
Nesta nova rubrica, ENTRE O COLAPSO E A SALVAÇÃO, convidamos todos os interessados a participarem no debate sobre a crise ambiental que impende sobre a humanidade, se acharem que a crise é real e grave, ou a dizerem por que razão acham que essa crise não existe ou não é grave, o que é ainda o mesmo debate.
As participações serão em princípio curtas, sendo possível explicitar pontos de vista à medida que outras intervenções forem sendo inseridas.
Colocamos a rubrica sob o patrocínio do grande poeta do século XVIII, Hölderlin, que, num dos seus poemas escreveu:
… no perigo que cresce,
cresce também a virtude que salva
in Patmos, segunda versão
Imagens de Raimundo Quintal, com a devida vénia
Iniciamos a rubrica com uma nota de Jorge Leandro Rosa.
Colocado em 4 de janeiro de 2021
Jorge Leandro Rosa
Sou signatário do Aviso sobre a Ruptura Social e o Colapso, igualmente assinado, a título pessoal, por mais de duzentos e cinquenta académicos e investigadores de 30 países e publicado em 6 de dezembro de 2020 no jornal The Guardian.
Sinto-me honrado em acompanhar nesta iniciativa pessoas como o Professor Will Steffen, um dos mais eminentes especialistas mundiais nas Alterações Climáticas, que tem dado um enorme contributo para a compreensão do Sistema Terrestre. Este aviso surge no quinto aniversário do Acordo de Paris, que os signatários consideram ser hoje tomado, de um modo geral, como «letra morta» pelos governos. Passados cinco anos, sabemos que os processos de alteração climática não só se aceleram como atingem cada vez mais profundamente os meios ecológicos e sociais de que dependemos.
Como escreve o Professor Jem Bendell, da Universidade de Cumbria e do Schumacher Institute, um dos animadores desta iniciativa, «mais de 250 cientistas e académicos lançaram um aviso à Humanidade, alertando para a necessidade de colocarmos a crescente disrupção provocada pelas alterações climáticas no centro da investigação e da acção política. Oriundos de dezenas de países e ligados às mais diversas áreas científicas, damo-nos conta das resistências que o sistema opõe à tomada de medidas efectivas que favoreçam uma adaptação às crescentes rupturas no acesso aos alimentos e à água, na saúde e na economia. É tempo de escutar a ciência e tudo fazer para reduzir os danos provocados pela ruptura social e mesmo pelo colapso. Tenho a esperança de que o movimento por uma Adaptação Profunda ao colapso social possa ser parte dessa agenda.»
A situação global pede-nos acções de resistência e resiliência, mas também uma compreensão e uma adaptação mais profundas aos processos e mudanças que a todos afectarão num futuro próximo.
Pode ler-se o texto completo do Aviso no blogue da Universidade de Cumbria chamado IFLAS – Initiative for Leadership and Sustainability, bem como no jornal britânico The Guardian. ▲
Colocado em 4 de janeiro de 2021
José Carlos Costa Marques
De acordo com o Aviso, inteiramente. Um dos seus pontos mais positivos é associar a crise climática à crise ecológica e ambiental, e mesmo à sua dimensão social.
Assistimos hoje, sobretudo na Europa, que repercute em Portugal também, a um estreitamento da questão climática, de uma forma que pretende justificar agressões ao património natural e territorial, como é o caso entre nós com os planos de mineração, em contradição com as nossas obrigações relativas à cessação da degradação dos solos ao abrigo de um programa no âmbito da FAO – Organização Mundial para a Alimentação e Agricultura, com que o nosso país se comprometeu.
Há uma grande ambiguidade no Pacto Ecológico Europeu e no suposto Crescimento Verde, sem negar que possam conter alguns elementos positivos. Pretende-se sobretudo, numa suposta Transição Energética –muito diferente do genuíno movimento de base Transition, documentado em filmes como The Voices of Transition ou Amanhã (Demain) – salvar a indústria automóvel substituindo num futuro mal definido os combustíveis fósseis pela eletricidade, sem ter em conta seriamente os valores ecológicos e naturais que a produção dessa eletricidade acarreta.
Outro filme, transmitido na RTP 3 e que se encontra também no Youtube, mostra o lado negro das energias ditas verdes. Com o seguinte resumo introdutório:
E se o «mundo verde» que prevemos se revelar um novo pesadelo?
Carros elétricos, aerogeradores, painéis solares… A transição energética traz a promessa de um mundo mais próspero e pacífico, finalmente livre de petróleo e poluição. Mas esta tese oficial prova ser um mito: ao libertarmo-nos dos combustíveis fósseis, estamo-nos a preparar para uma nova dependência de metais raros. E se o «mundo verde» que nos espera se revelar um novo pesadelo?
Se há 50 anos atrás os ecologistas e ambientalistas genuínos eram primeiro ignorados, depois ridicularizados, depois copiados mas superficialmente muitas vezes, hoje a defesa dos valores naturais, ecológicos, ambientais, dos solos, das águas e da qualidade do ar tem que ser feita denunciando os falsos profetas «verdes» que pintam dessa cor a sua imagem e encontram uma crítica séria, a que procuram fugir ou que tentam confundir, por parte daqueles que desde o início defenderam as autênticas «energias verdes».
Um debate que ainda não foi feito a fundo, mas que está cada vez mais na ordem do dia. ▲
Colocado em 20 de janeiro de 2021
Rui Padraia
A carnificina na Azambuja e a falácia energética solar
As ameaças que pendem sobre a humanidade e as catástrofes que já se verificam e que podem ainda acontecer têm a ver com a destruição contínua das condições de vida na Terra e a contaminação das suas fontes, o ar, a água e o solo, de que depende a humanidade e todas as restantes espécies, animais e vegetais.
Em comunicado (11 de janeiro de 2021) , no qual se alude à recente chacina de meio milhar de animais de grande porte na herdade Torrebela, na Azambuja, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza refletia sobre esse acontecimento e relacionava-o com um megaprojeto de parque solar para produção de energia elétrica de origem fotovoltaica para aquele local previsto. O comunicado é extenso e merece bem uma leitura atenta. Queremos aqui focar sobretudo um princípio nele perfilhado: a produção fotovoltaica deve ser feita evitando a instalação no solo.
É um princípio de aplaudir. Deveria no entanto ir mais longe: o solo já produz energia solar através da vegetação, incluindo na agricultura e na floresta biodiversa e nativa sobretudo. Por isso, destruir ou impedir essa capacidade do solo a favor da produção de eletricidade é absurdo. A não ser em solos que já não possuam qualquer capacidade de produzir vegetação, o que é muito raro, se é que existe, pois até os solos degradados podem ser recuperados para esse fim.
A produção de eletricidade pela energia solar sob formas supostamente «limpas» tem vindo a constituir uma ameaça aos valores ambientais. Ela é sem dúvida a forma de produção de energia mais promissora, mas não se vier para substituir os combustíveis fósseis mantendo os mesmos defeitos que caraterizam a exploração destes últimos: o gigantismo, a centralização e concentração, ao serviço de uma economia de consumismo, de desperdício e de contaminação ambiental.
Se a energia solar é ou pode ser um elemento para uma via de salvação, caso siga a via dos parques megalómenos em terrenos preciosos para a produção alimentar e para funções ecológicas fundamentais por meio da reconstituição da floresta nativa, corre o risco de tornar-se afinal mais uma das causas que abrem o caminho ao colapso dos sistemas que suportam a vida. ▲
O comentário e o temor do texto de José Carlos Marques são lúcidos.
Há uma certa atitude inebriante perante a possibilidade de o mundo poder dispor a seu bel prazer de uma energia verde e amiga do ambiente, mantendo estilos de vida cada vez mais dependentes da energia. Tal é uma falácia. No mundo real não há, infelizmente, contos de fadas. Nada é inócuo e tudo tem o seu preço.
Uma análise séria e crítica das vantagens e desvantagens da adopção de novas energias independentes dos combustíveis fósseis é imprescindível. A utilização da chamada energia verde obriga à procura de outros recursos geológicos, especialmente metais raros mas não só, os quais irão implicar (e implicam já!) degradação paisagística de outras áreas, poluição e contaminação de solos e águas, geralmente em países terceiros (longe da vista!), quase sempre pobres ou em vias de desenvolvimento e com governos corruptos.
Energias limpas? Hidroeléctrica, com seus impactes? Fusão nuclear, ainda longe no horizonte tecnológico? Cisão nuclear que ainda continua a levantar sérias objecções do ponto de vista ambiental e a apresentar graves riscos para a vida especialmente perante acidentes naturais ou antrópicos?
O que é necessário estimular nas novas gerações é a consciência de que um futuro mais equilibrado implica uma sociedade mais desprendida do poder da energia, a qual está subjacente aos avanços tecnológicos que permitem no quotidiano cada vez mais conforto mas, também, dependência e obsolescência.
E esse é o maior desafio – convencer as novas gerações a prescindirem de muito daquilo que a nossa usou… e de que abusou.