Estufas, imigrantes e o saque do território português
O caso da cerca sanitária no concelho de Odemira, que revelou mais às claras o que era já denunciado há muito por alguns mais atentos, suscitou a um dos fundadores da Campo Aberto (em 2000), o biólogo Jaime Prata, um texto de opinião que aqui partilhamos e que poderá vir a ser prolongado por outros contributos dos leitores. (Ler adiante).
Pela biodiversidade, contra transgénicos, herbicidas
e outros pesticidas químicos de síntese
Sábado, 15 de maio de 2021, às 16:00, será colocado em linha um vídeo-manifesto em que diversas organizações com preocupações ambientais comemoram em uníssono o evento anual mundial da «marcha contra a Bayer-Monsanto» e a favor de uma alimentação e de uma agricultura sem organismos geneticamente modificados-OGM.
Inserimos adiante o texto de um manifesto subscrito por 11 organizações portuguesas, cuja iniciativa partiu do grupo BioPorto (ex-Porto Sem OGM). (Ler adiante, a seguir ao artigo «Estufas»).
ESTUFAS, IMIGRANTES E O SAQUE DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS
Jaime Prata
Colocado em 12-05-2021
Os surtos de Covid-19 numa outrora pacata zona do país vieram alertar consciências para uma triste realidade da agricultura portuguesa.
As monoculturas modernas de frutos vermelhos, frutos tropicais, olivais e amendoais em regime intensivo ou super-intensivo (vejam onde chegámos) — mas também outras, mais tradicionais, como o vinho no Douro —, para além de todos os malefícios que causam ao ambiente, têm um lado negro e desprezível que é o tráfico de mão-de-obra barata e as condições de quase escravatura em que irmãos nossos são tratados em várias regiões do país.
O que se passa no Alentejo pode ser abordado de várias formas: a económica, a social, a jurídica, mas não vejo ninguém a ir à origem do problema que radica na forma como o nosso território é gerido e na forma como se permite o saque do país. Desde há alguns anos, a gestão que governos e, sobretudo, autarquias e autarcas fazem do território é caótica, pondo sempre o interesse económico imediato à frente das boas decisões, das decisões sustentáveis e dos reais interesses das regiões e das gerações futuras.
O PARQUE NATURAL DEGRADADO
O maior problema da proliferação de estufas no litoral alentejano é a sua própria existência. Criou-se há décadas atrás o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) com o propósito de proteger um troço de costa tido como um dos mais selvagens da Europa. Imediatamente a seguir começaram as pressões; pressões urbanísticas, turísticas e depois a agricultura intensiva.
O modelo de desenvolvimento não pode ser o que alguns, sempre numa lógica economicista, preconizam, promovendo primeiro um desenvolvimento económico errado (agricultura intensiva), depois deixar vir os imigrantes, dar-lhes boas condições de trabalho, construir habitações condignas, ou seja, artificializar e urbanizar uma zona que há alguns anos atrás, e bem, foi consignada à proteção da natureza.
Estamos perante um Parque Natural em que o território tem de ser gerido tendo em conta essa realidade. O modelo de gestão deveria ser o de, perante uma zona única nas costas europeias, apoiar as actividades tradicionais, apoiar os proprietários que as quisessem manter, afastar novas construções e modelos de exploração do território que só produzem poluição, lixo e insustentabilidade.
Naquela zona, durante anos, proibiu-se, acertadamente, a construção de casas, de abrigos para animais, anexos agrícolas etc. E depois, fruto de um deslumbramento muito típico, aliás, do modo de ser português, permitiu-se uma artificialização, a rondar o obsceno, da paisagem, uma ocupação desmedida por estufas, milhares de hectares cobertos por plástico destruindo os valores que, alegadamente, se pretendia proteger.
Aquilo que se faz naquelas paragens já nem agricultura é. É uma indústria em que se produzem bens para exportação à custa da delapidação dos recursos naturais, à semelhança, aliás, da campanha do trigo do Estado Novo ou da explosão da indústria têxtil no vale do Ave. Estes episódios, embora com benefícios económicos imediatos, deixaram um passivo ambiental que ainda não foi ultrapassado e nem sei se alguma vez o será.
AGRICULTURA DEGRADANTE
Algumas destas explorações já nem usam o solo, preferindo ter as plantas em vasos, o que favorece a logística dos espaços. Estamos perante uma actividade que não tem interesse algum para o país, a não ser os impostos que gera, coisa de somenos importância face aos males que produz. Uma grande parte dos produtores donos das empresas agrícolas são estrangeiros ou empresas mistas, a produção é para exportação, em cerca de 90 por cento, para satisfazer a voracidade por frutos vermelhos dos países do norte da Europa, não dá emprego a nacionais, daí a vinda de milhares de imigrantes, e para além disso destrói os valores naturais do nosso país. Porquê manter essa situação de quase arrendamento duma parte do país a interesses que não são os nossos e não deviam ser benvindos nem apoiados?
O estado português devia opor-se a este tipo de utilização do território e os ministérios do ambiente e da agricultura deveriam concertar esforços para, em conjunto com as câmaras, proibir este tipo de actividades e apoiar outras como a plantação de floresta autóctone, a criação de gado em regime extensivo, a promoção do turismo de natureza, a plantação de mais área de montado etc.
Por ironia do destino talvez seja a pandemia e a miséria social, agora posta a nu, a salvar o que resta do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
PELA BIODIVERSIDADE, CONTRA TRANSGÉNICOS, HERBICIDAS
E OUTROS PESTICIDAS QUÍMICOS DE SÍNTESE
Manifesto Coletivo: Manifestamo-nos Pela Vida!
Colocado em 12-05-2021
MANIFESTAMO-NOS PELA SOBERANIA ALIMENTAR
Manifestamo-nos com indignação contra a arrogância pseudo-científica de que é necessário alterar as informações genéticas da Mãe-Natureza para que ela possa alimentar os habitantes da Terra.
Manifestamo-nos porque os alimentos transgénicos, aparentemente milagrosos, nos são impostos sem a sociedade ter sido convidada a discutir se os quer consumir ou não.
Manifestamo-nos contra as patentes aplicadas às sementes e outras formas de vida, manifestamo-nos contra a sua mercantilização por monopólios.
Manifestamo-nos porque não é por falta de alimento para todos os seres humanos que a fome persiste no mundo, pois esta é produto das desigualdades sociais e da exploração económica de pessoas e povos.
Manifestamo-nos para afirmar e exigir que a alimentação pode e deve ser saudável e a agricultura que a sustenta deve ser mais ecológica e praticada no respeito pela natureza e pelo ambiente.
Manifestamo-nos porque sempre houve alternativas para uma alimentação salubre sem a utilização de herbicidas e outros pesticidas químicos de síntese.
Manifestamo-nos para denunciar o não cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito à vida, à saúde e à qualidade de vida e do ambiente.
Manifestamo-nos pela prioridade da segurança, da saúde e do ambiente sobre os interesses e pressões empresariais.
Manifestamo-nos no concreto, em Portugal, porque ao arrepio da orientação para uma maior expansão da Agricultura Biológica, vemos que, na realidade, pesticidas comprovadamente danosos para o ambiente e para a sociedade se mantêm no mercado, comercializados de forma indiscriminada.
Manifestamo-nos porque a indústria agroquímica e a indústria fitofarmacêutica dizendo promover a cura, promovem kadıköy escort antes a doença.
Manifestamo-nos contra a negligência no cumprimento das normas reguladoras na venda e distribuição dos produtos fitofarmacêuticos, e contra o desprezo pelo princípio da precaução por parte de interesses particulares e de instâncias kocaeli escort oficiais.
Manifestamo-nos para apelar a que os tratados de comércio internacional deixem de ameaçar a soberania e a segurança alimentar e que garantam a exclusão da importação de alimentos em que são usados pesticidas e hormonas de crescimento que são proibidos na União Europeia.
MANIFESTAMO-NOS PELA VIDA!
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