Comunicado divulgado em 14 de maio de 2024
Colocado em 29 de maio de 2024
Uma empresa pública (e que fosse privada), por grandes méritos que tenha noutros aspetos da sua intervenção, está obrigada a agir com prudência e a respeitar e não mutilar nem perturbar o património dos locais onde intervém. Porque mais uma vez a Metro do Porto S. A. agiu em violação deste princípio elementar, a Campo Aberto emitiu o seguinte comunicado:
METRO DO PORTO S. A. ARBORICIDA E IRRESPONSÁVEL
MALTRATADO O JARDIM HISTÓRICO DA ROTUNDA DA BOAVISTA
Na sequência de muitos casos precedentes desde a sua fundação, a empresa Metro do Porto tem vindo a maltratar mais um jardim histórico na cidade.
Segundo o Jornal de Notícias (de 13 de maio de 2024), «danos irreversíveis ditam o abate de árvores» no jardim da Rotunda da Boavista. De acordo com o diagnóstico de uma avaliação fitossanitária encomendada pela Câmara do Porto a uma empresa ligada à UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, é necessário abater dois liquidâmbares que foram «afetados irreversivelmente» pelas obras da Metro no local. Um deles encontra-se em declínio, o outro está moribundo por falta de água. O estudo atribui claramente a responsabilidade às obras da Metro, que tiveram, diz o JN, apoiado no diagnóstico proveniente de círculos da UTAD, «impacto direto na saúde das árvores». Outros exemplares no jardim da Rotunda da Boavista estão em perigo, não se sabe quantos, devido aos solos do jardim terem sido significativamente perturbados.
Tudo menos surpresa
Quem tivesse observado o que se passou no interior da Rotunda desde que começaram ali obras da nova Linha Rosa e depois do Metrobus, ou os estragos feitos pela mesma empresa no Jardim do Carregal, ou ainda a demolição praticamente total do jardim da zona da Praça da Galiza (único jardim público contemporâneo na cidade histórica, de autoria da arquiteta paisagista Marisa Lavrador, e cuja preservação integral chegou a ser exigida pelas autoridades do ambiente que o consideraram de elevada qualidade artística), e também o abate de quase 500 sobreiros duplamente «protegidos» (por serem sobreiros, espécie protegida em Portugal, e por estarem classificados em ZEP – Zona Especial de Proteção) a pretexto da nova Linha Amarela em Gaia, não poderá surpreender-se. Compreendida a atitude arrogante e sistemática dessa empresa perante os jardins e árvores do Porto e concelhos limítrofes onde atua, tão-pouco já se estranha a forma como a empresa vem tratando o jardim da Rotunda.
«Mérito» arboricida
Arboricida e irresponsável, não é exagero. Já nos primeiros anos de existência da empresa, em 2005 quando denunciámos os percalços da Metro e, antes disso, quando a Campo Aberto «galardoou» a empresa com um «Certificado de Mérito Arboricida», tínhamos elencado vários outros «percalços».
Infelizmente, a empresa tem beneficiado nessa atitude da «compreensão» ativa de autoridades nacionais — como a Direção Geral do Património Cultural que recentemente recusou a um grupo de associações do Porto a classificação que protegeria a totalidade do jardim da Rotunda. E das autoridades municipais, que têm tolerado a incompetência da Metro em proteger os locais onde atua. Ao ponto de terem pactuado com a autorização da demolição do jardim da Praça da Galiza, prometendo ao mesmo tempo que o jardim que lhe irá suceder, de responsabilidade da Metro, será «muito mais bonito». Extraordinária intuição e sensibilidade paisagística dos nossos autarcas.
Quem vai cumprir a Lei 59/21?
Tendo em conta os estragos apontados pelo diagnóstico mencionado, cabe perguntar: tencionam, a Metro do Porto S.A. e a Câmara Municipal do Porto, cumprir a legislação existente, segundo a qual estão obrigadas a «medidas de compensação» a implementar (embora na realidade uma verdadeira compensação seja impossível), já que os danos «irreversíveis» foram causados por intervenção urbanística, e a lei 59/2021 de 18 de agosto (Art.º 17º, ponto 3) obriga a reposição em dobro de sequestro de carbono, plantando a uma distância não superior a 10km de raio do local de abate? Quem garante que é feita a plantação? Onde, quando? Que taxa de sucesso estimam para estas novas plantações? Como calculam o sequestro de carbono das árvores abatidas e das árvores a plantar?
Seria também interessante saber quando será iniciado o processo de elaboração do Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano do município do Porto, cujo processo prevê um período de consulta pública de 30 dias, e já deveria ter sido publicado em Diário da República em 2022. Acrescente-se que o Porto se comprometeu com os princípios do Acordo Cidade Verde no âmbito das instituições europeias, sendo que um desses princípios é atropelado pela maneira como a autarquia tem consentido ou fechado os olhos aos desmandos praticados: «Progresso considerável na conservação e melhoria da biodiversidade urbana, incluindo através de um aumento de dimensão e qualidade de áreas verdes na cidade, e impedindo a perda de ecossistemas urbanos e restaurando os mesmos.»
Celebra-se em 25 de maio do corrente ano, pela segunda vez desde que foi criado pela Assembleia da República, o Dia Nacional dos Jardins, que homenageia o pensamento e a obra de Gonçalo Ribeiro Teles, a quem o país deve a sua melhor legislação de proteção ambiental e do património natural, ecológico, paisagístico e urbanístico. Que surpresa nos reservarão ainda a Metro do Porto S. A. e a Câmara do Porto para salientar a celebração desse Dia?
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