Por José Mário Pessegueiro de Miranda – Arquitecto
Introdução:
“As boas obras de arquitectura traduzem os próprios ideais, a cultura e a memória de viver dos povos. “
“Há quem julgue elevar a Arquitectura, considerando os arquitectos seres de eleição fadados pelos deuses para deleitar os mortais com o luxo de algumas obras belas e subtis saídas directa e unicamente dos recônditos da sua imaginação e sensibilidade”
“Arquitectura e a vida” Francisco Keil do Amaral – 1940
Qualquer “espaço urbano” merece ser alterado naquilo que apresentar de realmente errado ou muito discutível. Deve também ser reformulado face às novas exigências urbanas e humanas da época esquecendo modas, preconceitos receitas arquitectónicas .
A chamada “intervenção polémica” passa a ser rapidamente nefasta e negativa para um local e para a cidade do Porto, quando são evidentes no projecto não só aspectos muito pouco funcionais, como é claro o desrespeito pela memória e cultura de um espaço urbano tão importante para os Portuenses como é a Av. dos Aliados. Não se trata de ser polémica sequer, é de facto uma péssima intervenção somente elogiada por alguns arquitectos responsáveis pelo PORTO 2001 :
1– Áreas verdes:
Analisando o projecto publicado no Jornal de Notícias de 16 de Março de 2005 damo-nos conta da subtracção pura e simples das zonas verdes intercaladas na placa central da Av. dos Aliados.
As áreas verdes existentes são hoje parte integrante da imagem forte que Av dos Aliados possui. São também doutrina assente no novo PDM do Porto discutindo-se muito a permeabilidade dos solos, e a substituição dos asfaltos por cubos de granito. Neste caso o IPPAR concordou em retirar áreas francamente permeáveis e permitir a demolição das zonas floridas que trazem diferenças cromáticas a este Avenida, esses valores não contaram . Além de que a existências destes amplos espaço traduzem não só frescura e qualidade ambiental com servem de pólo de atracção para as pessoas se fixarem desfrutarem da paisagem arquitectónica envolvente.
Não se pode pois considerar que as árvores propostas no projecto de Siza e Souto Moura venham a “equilibrar” em termos ambientais a subtracção pura e simples das áreas ajardinadas.
Imagine-se o que serão os bancos isolados no descampado granítico que presidirá na futura reconversão na plataforma intercalada da Av. dos Aliados.
Será que estes espaços verdes foram considerados “trapalhada de canteiros” como alguém lhe chamou ( arq. Virgínio Moutinho) , ou foram entendidos como vulgares “canteiros românticos” que não poderiam ser redesenhados de modo a se enquadrarem nas novas necessidades urbanas ( metro)?
2– A eliminação da calçada existente .
Os passeios previstos no projecto de alteração já parcialmente executados, substituem a calçada existente por cubos de granito serrados e dispostos em leque. A calçada existente com toda a sua qualidade artística e artesanal, através dos seus desenhos (de que se pode gostar ou não) fazem também parte da cultura portuguesa. Com efeito este tipo de calçada muitas vezes vulgarizada e mal aplicada em autarquias dispersas, apresenta na Av dos Aliados uma inegável qualidade de desenho artesanal que poderia ser recuperado e reavaliado de modo a respeitar algo que qualquer Portuense gosta e admira. Não se entende como é que este tipo de passeio tão admirado, invejado e copiado em todo o Mundo é destruído e substituído por uma textura em leque de aspecto vulgar, pouco funcional, desaconselhada para pavimentos pedestres, e com pretensões “pseudo dialogantes” com a envolvente urbana.
Não se entende de facto, como nos Açores e noutros cantos do País se continua a aplicar este tipo de calçada nas superfícies pedonais e nas quais são aplicados renovados tipos de desenho plenos de criatividade e diversidade.
3– A funcionalidade dos passeios
Os passeios de qualquer intervenção urbana do séc. XXI devem atender a aspectos funcionais muito precisos. A fluidez, o conforto e a segurança destas superfícies, são valores bastante mais importantes por quem os usa assiduamente, do que outros aspectos que facilmente se tornam fúteis e esses sim, secundários. A conciliação entre funcionalidade e estética seria um desafio a travar por quem projecta. Acontece que na intervenção da Av dos Aliados nem sequer estes aspectos foram tidos em conta com a substituição da calçada. A nova configuração e tratamento de materiais não respeita a aspectos mínimos de conforto e segurança, além da monotonia do seu aspecto. Os passeios são de extrema importância pois neles passarão milhares de pessoas ao longo dos anos, e são plataformas que defendem os cidadãos dos veículos motorizados. Por isso devem ser diferenciados quer na sua textura quer no seu nivelamento para melhor percepção dos mesmos para as pessoas com dificuldades de visão ou pessoas cegas. A intervenção para Av. dos Aliados comporta exactamente o mesmo material quer para veículos quer para pessoas; cubos de granito. Muito idêntico, aliás ao critério utilizado na Rua da Restauração – Porto. Esta rua mistura circulação de automóveis, carros eléctricos com peões, tornando-se um arruamento com riscos acrescidos especialmente para quem é mais desprotegido, o peão .
Tem sido prática noutros países da Europa e resto do Mundo, a aplicação nos passeios de “texturas de segurança” que avisem as pessoas com debilidades visuais, sobre a proximidade do atravessamento de vias. Isto implica muitas maneira de aplicar texturas bem diferenciadas . Madrid, por exemplo, foi submetida a reconversões admiráveis em todo o espaço pedestre quer no centro que nos arredores da cidade. Em Vigo – Galiza também a reconversão destes espaços há muito que é feita com critérios de funcionalidade.
Seria pois impensável fazer algo de novo como na Av dos Aliados que não atendesse a estes aspectos que a todos os cidadãos interessam. Além da facada cultural que representa a retirada pura e simples das áreas verdes e dos irrecuperáveis dos calcetamento em calcáreo .
A “reconversão em curso da Av. dos Aliados”é mais uma intervenção alheada à memória dos Portuenses e alheada a aspectos importantes do nosso tempo. (08-2005)
José Mário Pessegueiro de Miranda – Arquitecto
Bem haja quem assim escreve.
Isto – a posição elevada, superior mesmo, de alguns arquitectos – faz-me lembrar o nosso Óscar Niemayer a afirmar que os edifícios dele são obras de arte e como tal não têm que ser práticos para quem neles tem que desenvolver as suas actividades profissionais.
Porquê este exemplo? Eu estive colocado no Brasil, em Brasília, 4 anos. Era doloroso, e por vezes insuportável, ver como, com a luminosidade da capital, plantada como está no, alto no Planalto Central, arejado, em cada escritório era necessário ter continuamente o ar condicionado e a luz eléctrica ligados.
Saudações de Luanda,
Alexandre Borges Gomes.
Tens toda a razão Mário. Destrói esses pseudo arquitectos da mesma forma impiedosa que eles destroem as árvores e as cores das flores.
Siza Vieira de veria ser: Siza Vi-Eira.
Filipa Barrote