Por Beatriz Pacheco Pereira
(Artigo publicado na imprensa -e que inexplicavelmente nos escapou e que ainda nao consegui encontrar – mas transcrito agora com a devida autorização da autora)
«Estou contra. Estou no contra. Mas digo porquê.
Anunciaram-se recentemente as alterações que se pretendem fazer na Avenida dos Aliados- pavimentos de granito de um lado ao outro e de alto a baixo, candeeiros novos, destruição dos canteiros em favor de árvores em linha recta, uma fonte em socalcos, eliminação radical da tradicional calçada portuguesa preta e branca com desenhos de arcos e florões.
Na Praça da Liberdade, o tratamento não será diferente, com um pormenor importantíssimo: D. Pedro IV, do alto do seu cavalo, deixará de ver o Palácio das Cardosas mas ficará a olhar a Câmara Municipal do Porto. Haverá ainda a tal unificação com a avenida propriamente dita com a pavimentação em granito “escuro” – note-se esta indicação de cor, como se todo o granito, cinzento, rosado ou quase negro, não fosse ele todo escuro.
Atiraram-se dois argumentos: (1) a necessidade de “requalificação” da Avenida e da Praça da Liberdade e (2) o peso do nome dos arquitectos indicados, Siza Vieira e Souto Moura.
Dada a informação geral, para quem ande distraído, vejamos o que poderá acontecer. E a minha opinião é tão boa como qualquer outra. Para mim, acontecerá, muito simplesmente o que aconteceu recentemente em três pontos paradigmáticos do centro da cidade do Porto.
A Praça da Batalha, a Praça dos Leões e o Jardim da Cordoaria.
Primeiramente, a descaracterização em nome da modernização. Sobretudo dos solos – que, quanto sei, ninguém ainda se preocupou em “requalificar” os edifícios que rodeiam estas praças. Será que o passo seguinte passará também na inclusão de espelhos, vidros anti-reflexo e revestimentos de alumínio e granito( pois, então!?) nas fachadas que estão “antiquadas” como acontece com a da Faculdade de Ciências, da Cadeia da Relação ou da Igreja de Santo Ildefonso? Ou, já agora, da Camara Municipal do Porto?
Porque será que esta febre de modernizar a todo o custo só se passa na horizontal- os solos- e não se passa na vertical? Ingenuidade não abunda por aqui…
Note-se ainda a erradíssima consequência destas pavimentações negras , causadoras das temperaturas altíssimas que vão tornar a cidade um inferno de calor, agora que todos sabemos que a seca e a desertificação são fenómenos incontornáveis no nosso país. Ninguém parece importar-se com isso mas eu li recentemente um estudo sobre a diferença de temperaturas em vários pontos da cidade e já dava uns grauzitos a mais para o centro… Ou será que só eu li isso?
A inclusão de infraestruturas de luz, saneamento, irrigação, etc, esquecendo o conforto dos cidadãos. Exemplos gritantes são o sistema de luz de chão na Cordoaria, as cadeirinhas de ferro na Batalha, as cadeirinhas do jardim ao pé do Castelo do Queijo, os blocos de granito por todo o lado a imitarem bancos de jardim.
E já agora, quem, da indústria de extracção dos granitos, andará a ganhar rios de dinheiro com esta granitização da cidade?
“Requalificar” a Avenida dos Aliados e a Praça da Liberdade, tal como tem sido apresentado nos últimos dias, não passa, meus senhores, pelo maior usufruto destes espaços. Se há uma estação de metro que vai abrir aí, se há uma estação de comboios nas imediações, esses são de facto os factores principais de usufruto dessa zona capital da cidade, zona de clivagem entre o lado oriental e o ocidental. Esta zona é um polo natural de passagem dos habitantes, pela própria geografia do local e pela tradição.
Ora, ouvi dizer que se vão anular os jardins e a calçada para maior usufruto do espaço pelas pessoas. Para olharem para onde? Para o chão liso e sem elementos estéticos? Terão mais elementos de interesse que os canteiros artísticamente (diria até, amorosamente) cuidados que ali podíamos ver? Já agora, em nome de que modernidade? Que vão fazer a esses artistas da jardinagem que coloriam esses canteiros? Desemprego? Ou irão trabalhar para outras cidade que amem mais a natureza?
No caso da calçada, ouvi muita gente dizer que as pessoas até escorregavam nela. Certo. Podia ser perigosa com a chuva. Certo. Mas a modernidade não trouxe a informação de que há revestimentos pulverizáveis que anulam esse factor escorregadiço. Ou serei só eu que sei? Vejam-se os postais do Porto antigo que o jornal “O Comércio do Porto” está a publicar e veja-se como era bonita a Praça da Batalha com a sua calçada às ondas. E a Praça da Liberdade, ainda hoje.
Será que é obrigatório, em nome da qualidade (discutível quanto ao paisagismo, para mim) dos arquitectos em questão, destruir o que é intrinsecamente nosso, como é o caso da calçada portuguesa?
O que será que os turistas irão ver de nosso , de original, quando pisarem a nossa nova sala de visitas depois da “requalificação”? Talvez as fachadas afrancesadas dos bancos que, infelizmente nada têm de português e há-as aos molhos em Paris, por exemplo?
Consta que os turistas que passam pela cidade se demoram dois dias no máximo. Pobres portuenses. Com estas obras, tal como estão previstas, passarão de autocarro a caminho de Gaia, para ver como é bonito o Porto visto do outro lado do rio… Que é o que fazem já no Jardim da Cordoaria, sabiam?
O argumento de que praças europeias como a Piazza Navona ou os Campos Elísios não têm jardins, além de incrivelmente pretensioso, parece-me de uma quase desfaçatez. Porque será que se deve imitar o que está errado? Eu gostaria de ver os Campos Elísios com muito verde, para além das muitas árvores que já tem, claro. Mas será que quem diz isso, alguma vez reparou na enorme extensão dessa famosa avenida (e não praça)? E a Piazza Navona em Roma é uma praça renascentista que está absolutamente de acordo com a época dos edifícios à volta, com as temperaturas altas que lá se sentem e com as fontes da mesma época que refrescavam o espaço…
Agora, alguém pensa que se poderão fazer esplanadas na Avenida dos Aliados? Só se for para se encherem as tais vastidões graníticas de quiosques da Decaux . Porque que eu saiba, não há muitos cafés instalados por lá. Bancos, sim, há muitos, lojas de artigos de fraca qualidade também.
E já agora, o que acho eu que se poderia fazer?
Para já, seguir o exemplo da Praça Carlos Alberto. Está “qualificada”- ou seja está modernizada. Tem tudo o que é preciso. Ordenamento do trânsito da zona, saídas de parque de estacionamento que muito irá revitalizar a zona. Tem calçada portuguesa e tem jardim onde, neste momento, as magnólias mandam. Poderá ser ainda melhor com o tal projecto de revitalização da zona de Cedofeita a ser implementado em breve. Está um espaço harmonioso quanto aos edifícios circundantes, que uma praça deve ser vista em toda a sua extensão, largura e altura.
(A propósito, para quando o restauro do edifício do café Luso que é também o da Candidatura de Humberto Delgado? Foi lá que o Fantasporto foi fundado…)
Esqueci-me de um pormenos importante. A Praça de Carlos Alberto ficou parecida com o que era dantes porque o dinheiro não chegou… Se não fosse isso, agora teria um belo espelho de água com muito granito à volta, e uns paralelipípedos de granito a condizer…
E na Avenida dos Aliados? Aqui vão ideias grátis.
Que mantenha e aumente mesmo o número de canteiros, que lá se façam concursos de arte floral, que as árvores voltem, de preferência com flor na primavera, que os candeeiros antigos regressem- os que havia antes dessas avantesmas de alumínio que só servem para os enfeites de Natal , que as entradas do metro sejam discretas e funcionais, que o trânsito continue a passar por pela Praça, nem que seja a caminho de uma Ribeira arranjada e limpa de poluição, ou por uma Câmara Municipal que se pretende emblemática, que sejam abertas vias para uma passagem rápida nos dois sentidos para os dois lados da cidade, que haja mais estátuas de pequena dimensão para mostrar os artistas da cidade- já foram a Copenhaga?
que a Praça da Liberdade se anime com feirinhas e eventos de pequena dimensão, e muito, muito mais.
Mas sempre a pensar no convívio, na fluidez, na beleza, na harmonia com o que já lá está.
Para se dar trabalho aos poucos estabelecimentos que resistiram naquela zona, para fixar as pessoas por lá um pouco mais de tempo. Para que o Café Guarani não seja exemplo único de recuperação pensada de uma zona onde há equipamentos de qualidade como a Brasileira, o Café di Roma, o Rivoli ou, futuramente, o Teatro Sá da Bandeira.
Para que os portuenses sintam que aquela é de facto, a sala de visitas do Porto. Para que gostem do que os seus autarcas fizeram com o poder que tiveram nas mãos. É verdade, e a Menina da Avenida? Onde ficará?»
Quanto à horrososa “requalificação” da Avenida dos Aliados que se anuncia, um desejo. Que o dinheiro não chegue…»
Beatriz Pacheco Pereira
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