Há comentários que são autênticos textos de opinião como é o caso deste, enviado em Setembro e que agora se (re)publica. O que então escreveu esta anónima- que entretanto já o deixou de ser para nós- não perdeu o seu valor.
«Vivam! Só ontem reparei na Baixa que havia um manifesto a subscrever, contra o cinzentismo das nossas memórias (não bastava termos tido o cinzentão durante quase 50 anos) nas várias praças do Porto. A saber, coleccionando a raiva, só desde o Porto 2001, o largo da Cadeia da Relação, a intervenção no Jardim da Cordoaria, o Carmo e o lajeado rodeando a Universidade, a Praça D. João I, a casa da Música e respectivo abate de árvores no jardim (a limpeza era tão somente o que precisava) para melhor visibilidade dos milhões gastos, o desgraçado furo do túnel a sair no Carregal que mais parece para triciclos, a substituição de bancos de jardins com azulejos e história por novíssimas concepções de “como conversar guardando as devidas distâncias” (ex. bancos substituídos no jardim junto à praia do Homem do Leme por poltronas de pedra preta rectilínea separadas) … e sei lá que mais.
Na semana passada fui ao Hospital de Santo António e apetecia-me gritar: onde estão as árvores da minha infância? Que diabo, não sou assim tão velha, ia tomar banho ao Viriato ainda o jacarandá era novo!! Pois todas as árvores da rua do lado direito da entrada actual, simplesmente desapareceram. Onde e a que desoras andam os ladrões de verde, os ladrões da natureza, os empreiteiros e sub empreiteiros que nos esburacam a alma, a mando de um qualquer “regato” vigente?
Pronto; e já não há lugar para as fotos de meninos a correr atrás dos pombos e a pisar os canteiros de amores perfeitos, dos velhos pousando os sacos de plástico a olhar os quadrados da calçada portuguesa à procura da “estrela da sorte” (a gente saía da escola no Jardim Carlos Alberto e, debaixo das belas árvores desaparecidas, as procurávamos)… Porque em nome da modernidade e intermodalidade, com assinaturas de prestígio, se muda para pior, se destrói a imagem do Porto e todas as nossas lembranças (as pequenas feiras do Livro dos anos 50 cabiam na Praça da Liberdade e mais tarde, na Almeida Garret), ao mesmo tempo que se lava o entusiasmo com que nos reuníamos na Avenida, depois do 25 de Abril …
Querem normalizar-nos, pôr-nos uma etiqueta (intervenção com fundos do Feder) e todavia nos enrodilham em acções cujo título é “contra a desertificação”: olhamos à volta e temos grades nas montras, lojas a cair com o podre a extravasar para as ruas, às 8 da noite nem pensar passear em Stª Catarina … “Malgré tout l’effort d’intervention”, claro, visível em várias artérias.
Não sou do antigamente, não sou contra o progresso. Acho sim que devemos, nós o que temos raízes mais fortes que árvores abatidas nesta cidade, lutar/juntar para preservar a nossa identidade: onde é moderno que se faça o moderno, onde a pedra e os troncos falam que se limpe, que se reconstrua, que se ampare amorosamente a varanda de ferro forjado e a porta de batente … Não é preciso ter curso de arquitectura para ver isto (até suponho que com tantas obras em curso, alguns gabinetes de arquitectura entreguem os planos aos contratados a prazo que daqui a anos nada terão a ver com isso, ou ao estafeta “Ó pá, faz-me aí um desenho dos passeios e dos candeeiros nos Aliados …ah e não esqueças as papeleiras que o povo gosta é de as rebentar! Não menciones as árvores, eu depois faço-as no computador e parecerão verdadeiras.”).
Contra esta cidade que não conhecemos, contra estes projectos de gabinete, contra este deserto de granito cinzento onde só corre o lixo levado pelo vento.
Pelas praças e pracetas, pelas árvores e arbustos, pelas fontes antigas recuperadas, pelas bancas com flores, pela simples limpeza dos vãos das portas, pelo canto oportuno para a mãe que passeia a criança e precisa de sombra, por passeios sem ratoeiras para os velhos, pelo espaço, se possível ajardinado, entre o automóvel e a pessoa … enfim, contra o que estão a fazer!!!
E não me venham com essa do Comércio, lutar contra moínhos de vento, contra a fuga para os Centros Comerciais: porque não “dezarmonizam” os horários de forma a manter abertas e vivas certas zonas, em certos dias?
Porque não ajudam os comerciantes mais antigos a modernizar-se, porque é que as Universidades e os alunos de Gestão, de Engenharia, de Economia, de Belas-Artes, de Arquitectura não se abrem ao encontro da população, com novas ideias e projectos, com estágios nas lojas, com desenhos de alternativas?
Muito têm que aprender os novos e muito têm que ensinar os velhos; mas uns ainda verão os seus sonhos materializados no futuro, enquanto que outros não verão adulta a árvore nova. Parem a estupidez, não se assanhem contra o que era/é belo. Mudem as mentalidades!»
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