“Crónicas portuenses” por Ilda Castro publicado n’ O Primeiro de Janeiro em 1.1.06
«O centro do Porto
A Avenida dos Aliados é-o, sem dúvida, rematada pela Praça da Liberdade, tendo no lado norte, a termina-la o edifício imponente da Câmara Municipal e no lado sul o passeio das Cardosas, nome que lhe advém do soberbo e antigo Palácio do mesmo nome. Ela era de facto uma bela avenida que dois ilustres arquitectos, ambos com obras admiráveis, Souto Moura e Siza Vieira estão a transformar numa espécie de labirinto onde impera o cimento e o granito. Que saudade dos canteiros cheios de flores, dos bancos, das árvores que a embelezavam… Será que vai haver lugar para os mais velhos se sentarem, entretendo-se a dar de comer às pombas? Não vejo muito espaço para isso, mas como não sou arquitecta, espero, sinceramente que o erro seja meu. E, quando digo “erro”, digo-o convicta, porque uma avenida é um lugar para ser usufruído por toda a população e os velhos também são gente. Contudo, como ela ainda não está acabada, vamos esperar e ver.
Na dúvida, falemos de outro ponto de interesse para a nossa Avenida dos Aliados; ela tem duas belas estátuas a adorná-la as quais, graças a Deus, pelo menos até ao momento resistiram, incólumes à ânsia de modernização que parece ter ditado a traça da parte central da Avenida desde as ruas Magalhães Lemos – Elísio de Melo até à Praça Umberto Delgado: a norte a belíssima estátua de Almeida Garrett, escritor e político de renome internacional, um dos nomes grandes da nossa literatura, tribuno notável e a tão conhecida estátua da Menina Nua rematando a parte ajardinada do fim da Avenida; da autoria do escultor Henrique Moreira ela representa tão somente a juventude. A modelo, Aurélia ou Lela como era chamada pelos amigos, foi modelo de Henrique Moreira, mas também de outros escultores e pintores. Morreu cega aos 82 anos, mas conservou ao longo da vida uma alegria que lhe provinha talvez do facto de ter sempre encarado a vida sem tristezas ou pessimismos.
Sempre que eu passava junto à estátua, admirava o ar quase ingénuo e o sorriso entre tímido e alegre que o escultor conseguiu imprimir-lhe mas, quem ela era, quando morreu e que tinha morrido cega só o soube através dum artigo publicado por um médico psiquiatra que a tratou, o senhor Dr. David Torres. Ela foi consultá-lo quase com 80 anos e contou-lhe o que tinha sido a sua vida. Segundo ele, conservava um ar cândido, “quase ingénuo, bonito…”. Eternizou-o o escultor Henrique Moreira. Ao revê-la em pensamento, lendo a descrição do Dr. David Torres, não posso deixar de pensar que, geralmente o aspecto exterior reflecte a forma de ser das pessoas. Oxalá ela se conserve tal qual está e escape à fúria modernista.
E a Praça da Liberdade, remate perfeito da Avenida, irá escapar?
O cavalo e D. Pedro parece que vão dar uma volta para ficarem virados para a Câmara; naturalmente estão cansados do que têm visto até hoje. Eu creio que os portuenses ficariam bem mais contentes se, em vez de mudarem o aspecto da Avenida, transformassem a Praça Parada Leitão que está um deserto de betão e granito.
O Porto tem características próprias; querem modernizá-lo? Modernizem-no, mas não o desvirtuem.»
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