2 – setembro 2. 2012
Breves sínteses e comentários de artigos ou notícias sobre a terra e a Terra. Substitui boletins temáticos anteriores mas mantém os seus temas embora num só título. Os temas, conforme os casos, serão destacados em palavras-chave: ecologia da saúde, ecologia e economia, energia e clima, natureza e conservação, poluição das ondas, Porto e Noroeste, ruralidade e nova agricultura, etc. Elaborado por José Carlos Marques: jcdcm@sapo.pt.
Palavras-chave: ruralidade, aldeia, Portugal rural.
Orca Terra: comovente memória de uma ruralidade perdida
Um pequeno livro (Orca Terra, de Rosa Salvado Mesquita) que se recomenda com ênfase a todos aqueles, e são muitos já, que consideram a ruralidade uma componente viva, valiosa, descurada (mas a merecer por isso mesmo atenção redobrada) da realidade do nosso território, sociedade e caráter.
Como, se o descrevemos (responsabilidade nossa) chamando-lhe «comovente memória de uma ruralidade perdida»? Precisamente por isso. A forma concreta da ruralidade portuguesa como a Autora a conheceu no início dos anos 1960, ou como outros a conheceram no início dos anos 1950, é irrecuperável. E se em parte nem sequer seria desejável recuperá-la tal qual, por outro lado há nela muito que, preservado em memórias como esta (ou em instrumentos mais «objetivos» como os trabalhos de antropólogos, etnólogos ou musicólogos – quanto a estes últimos pensamos num Armando Leça e num Giacometti, por exemplo) poderá iluminar e ajudar a perspetivar os vários movimentos e iniciativas, em número crescente nos últimos anos, que vêm dando corpo e voz à criação/recriação de uma nova ruralidade como elemento imprescindível do nosso futuro.
Isto recusam-se a compreender os que, com muito aparato académico, não param de denunciar a ruralidade como «mito». Querem eles dizer, num sentido nada académico e até vulgar, como algo de falso, de irreal, de inexistente, de fantasista, ou até de pouco recomendável e a erradicar. Ignoram que mito, religião, filosofia e ciência nasceram de um mesmo filão, e é o mito que está na origem dele.
No belo livro de Rosa Salvado Mesquita há certamente «mito», como aliás refere o prefaciador, Arnaldo Saraiva. Mas num sentido autêntico, como algo que, problemático embora, contém elementos de uma verdade essencial. Orca, essa aldeia da Beira Baixa, rememorada e comemorada neste livro, contém essa parte de verdade essencial cuja luz a Autora (ajudada pelos belos desenhos a lápis de Júlia Cartaxo) faz projetar sobre o nosso presente – para quem quiser aprender com esse passado ainda tão próximo. Como bem nota ainda Arnaldo Saraiva, o livro é ficção também – sobretudo para os que não conheceram essa realidade, acrescentaríamos nós. Muitos, que não passaram pela Orca, mas conheceram noutros muitos cantos do país uma cultura e uma civilização (pois é isso, a famosa «ruralidade»!) em quase tudo idênticas, verão nele sobretudo, como diz mais uma vez Saraiva, memória, testemunho, história, autobiografia, antropologia, etnografia. Vida, sobretudo, dizemos nós.
Voltando ao prefácio, a pequena narradora (que não é senão a Autora em criança) está sempre atenta aos sinais da terra, da paisagem, da fauna, da flora da Orca, às suas ruas, às suas casas, grandes e pequenas, igreja, capelas, currais e palheiros, poleiros, alambiques. Mas também «aos seus rituais, comunitários ou familiares, de trabalho e de festa». Uma Orca símbolo ou metáfora de um Portugal antigo, rural, interior, pobre, sofrido, ainda nas palavras do prefaciador. Que logo acrescenta: «mas vivo e susceptível de provocar deslumbramentos». E é sobretudo essa vida e esse deslumbre que ela em nós acorda.
Com as suas 134 páginas em formato bolso, e o seu baixo preço que não chega aos oito euros, este livro pode (quase diria: deve) ser adquirido nas livrarias, ou diretamente ao editor: 100LUZ, Castro Verde 2011, ISBN 978-989-8448-05-7, editora@100luz.pt, www.100LUZ.pt
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